A FROTA DE DEMOLIÇÃO PLANETÁRIA

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O universo é um lugar muito grande, e tão grande quanto ele é a estupidez dos seres que nele vivem. As atitudes dessas criaturas são tão idiotas, que sem perceber, acabam por causar desastres cósmicos sem precedentes. Talvez seja exagero, mas fato é que um planeta está prestes a ser desintegrado por uma frota de demolição Borgon. Para alguns, essa era a mais completa prova dessa estupidez.

As naves de demolição eram compridas e pintadas com um desagradável tom pastel, estavam em órbita de um planetinha verde azulado. Todos os Borgonianos permaneciam eufóricos, já que esse trabalho marcaria a centésima demolição planetária da frota, e não é todo dia que se recebem medalhas e um troféu por uns bons anos de serviço destruindo vidas. Na ponte de comando da quadragésima segunda nave, a direita da nave central, estava o apertador de botões Mouk, com seu uniforme alaranjado sujo e o boné com a logo da companhia; sentado em uma cadeira desconfortável rodeada por monitores, esperando a ordem de seu comandante para apertar o enorme botão vermelho e começar a demolição.

­­­– Atenção! Ponte atenção! Após alguns problemas técnicos envolvendo uma bandeja de tortilhas, a operação pode ser iniciada. Todos a seus postos. – gritou o operador dos autofalantes.

– Mouk! – O comandante da nave marchou corpulento até a mesa para lhe dar ordens –É a sua hora garoto, sua primeira demolição, você suportou a fome, quatro anos de graduação, recebeu esse trabalho importantíssimo, inigualável e ... – ele se cansou –Na verdade é só isso mesmo, só aperta esse botão ai no três.

Mouk revirou os olhos, trocou o peso do corpo no assento de um lado para o outro. Não conseguia deixar de se sentir desconfortável, não apenas por ter desperdiçado a vida para ocupar um cargo medíocre, mas porque em suas mãos se encontravam o destino de bilhões de vidas inocentes de um pequeno planeta. Deveria ser algo normal, afinal. Sua raça vivia disso, respirava isso, a desgraça das sociedades, que não puderam pagar sua quantia de massa flutuante no espaço.

O comandante andou até o painel principal da ponte, para se comunicar com os habitantes locais. Ligou um ou dois interruptores.

–Alô, oi? – Limpou a garganta- Aqui quem fala é o comandante da quadragésima segunda nave demolição borgoniana, estamos aqui para executar o procedimento padrão de remoção planetário de seu povo uma vez que vocês aparentemente esqueceram de pagar para o banco galáctico o custo de sua moradia no universo. Sugerimos que abrace a pessoa mais próxima de você nos próximos dez minutos e aguarde o fim do mundo. Para facilitar, uma música relaxante tocará durante todo o procedimento. É isso, boa sorte.

Gritos foram ouvidos, gritos de desespero vindos da população preste à ser aniquilada.

Os borgonianos comemoraram, vários usavam óculos no formato do número 100. O único que permaneceu inexpressivo foi Mouk. Sem saber o que fazer, como se comportar, chegou a passar um filme em sua cabeça. Os meses de aluguel, os transportes públicos, os dedos indiferentes que apontaram para ele...

CINCO MINUTOS

Todos foram para seus lugares, a ponte passou de um caos completo para a monotonia de sempre.

DOIS MINUTOS

Mouk fitou o enorme botão vermelho em sua mesa. Deixou escorrer suor da testa, sua visão ficou turva.

10 SEGUNDOS

– Novato! - gritou o comandante –Se prepare, ao meu sinal, fazendo poeira interestelar em um...dois...três...

Nada aconteceu

Houve apenas silêncio. Um silêncio desconfortável, onde o som praticamente se contorcia para sair. Passado o impacto inicial do completo nada que acabara de acontecer, todos se voltaram para o novato com olhos zangados, penetrando seu corpo como se tentassem enxergar suas moléculas, senso essas mesmas que que se agitaram em seus corpo quando resolveu agir.

Bateu a mão na mesa, engrossou a voz, estufou o peito. Se preparou para rugir aquilo entalado em sua garganta.

– Meu nome é Mouk, quer dizer, esse é meu nome –Trincou os dentes para evitar que tremessem – Olha eu tenho que dizer uma coisa. Não posso apertar esse botão, desculpa, não sei se perceberam mas lidamos com vidas aqui, são seres vivos, que serão mortas por culpa de, sei lá, uma banco? Isso não é certo, não pode ser. Apertar esse botão seria como jogar tudo o que aprendi sobre ética no lixo.

Rostos atônitos, sem a menor expressão. Um rapaz da mesa ao lado levantou a mão.

– Mas esse é o nosso papel. Fazemos isso desde sempre. Seu avô apertou esse botão, seu pai apertou, até seu vizinho deve ter feito.

Mouk refletiu cansado

– Vai ver, tá na hora da gente se questionar da aplicação prática disso.

Todos ficaram estarrecidos com o comentário.

– Não é porque todos fazem merda, que precisamos fazer também – Continuou–Podemos fazer diferente, não precisamos continuar destruindo mundos por motivos tão idiotas. Gastei meu tempo e disposição para fazer diferença, pensei que eu seria especial, mas tudo o que eu descobri é que vou apertar um botão e acabar com bilhões de vidas, e pra que? Portanto eu me recuso, me recuso a apertar esse botão.

Seguiu-se mais um silêncio desconfortável.

– Sabe que você pode perder tudo com essa frescura né? –Ameaçou o comandante – Pode até morrer por desacato.

–Sei –respondeu com um suspiro.

– Então tá –Coçou o saco pensativo– Mas eu é que não vou limpar.

O comandante sacou a arma e mirou no rapaz. Durante aqueles poucos segundos, o rapaz pensou de forma libertadora, que pela primeira vez em sua vida fizera algo que valeu a pena. Sem ordens, sem regras, ele fez o que queria. No fim, um planeta seria salvo, seu vazio existencial estaria preenchido...a não ser que dessem continuidade à operação, mas não era hora de se preocupar. Naquele instante tudo estava certo...

Até o primeiro disparo.

Atingiu sua garganta. O segundo direto na cabeça, e Mouk o estagiário, virou Mouk o cadáver. Indiferentes as palavras carregadas de verdades do rapaz e seu sangue espalhado no chão, voltaram para suas posições, prontos para o trabalho.

Porém o destino foi cruel, e o universo fez seu julgamento. Acontece que o corpo de Mouk caiu por cima de três pequenos botõezinhos em sua mesa, esses botões por uma falha da engenharia borgoniana, aumentavam consideravelmente a temperatura de um dos reatores. Como a equipe de engenheiros não se deu conta, o núcleo da nave colapsou e consequentemente explodiu, levando junto boa parte da frota e atirando o comandante direto no vácuo. A operação foi cancelada, o planetinha permaneceu inteiro e Mouk continuou sendo um cadáver.

O universo é um lugar muito grande, e apesar de em seu infinito existirem tantos planetas, estrelas e galáxias, continua sendo um lugar frio e vazio, totalmente indiferente à estupidez que o cerca.

NOTA: É muito provável que a frota tenha se reunido horas depois do acidente e destruído o planeta, no entanto, para não comprometer a estabilidade emocional dos leitores, os detalhes dessa parte da história serão cortados.

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