Ato V : O Trêm do Sono e das Pálpebras Pesadas

22 1 0
                                    

Na estação Azul dos Sonhos Esquecidos,
Me encontro numa Noite de sono;
Milagrosa e terrível, deusa do abandono,
Que num estalar de dedos, rasgando a madrugada,
Chama o Trêm do Sono e das pálpebras pesadas;
O silêncio é tanto que ouso dar um passo,
Descalço, sinto o frio do vagão
E meus olhos pesam num soluço de frustração...

"Não. Eu não posso ir!"
O vagão cheio do Vazio do sono
Tremula ao som do apito do trêm
Que vem sempre com fome de vida;
Frio como o fogo — contrário a tudo — 
Surdo para a misericórdia
E astuto para o medo:
A nulidade em meio à discórdia
Vem trazendo o seu peso...
E eu digo que não posso ir.

A fumaça é tanta e cega a tantos que,
Desesperados, pulam no vagão
Sem sequer pensar na saudade
De quem fica — pura e doce
Chuva aflita que abraça o mergulhar;
E os sonhos somem no azul do trêm,
Que sem trilho, vaga destruindo casas
Enquanto os bancos de madeira
Rangem cânticos
De borboletas sem asas...

"Eu não posso ir!
Sei que a fumaça irá diminuir
E minha visibilidade melhorar;
Eu não vou! Não posso ir!"
E o trêm apita, apita, insiste em apitar;
Fere meus ouvidos e, mesmo estando aflito,
Prefiro esperar e relembrar das vezes
Que nimbos caíram sob mim,
E o fim foi tão eminente quanto o som
Dos vagões enferrujados e sujos
Desse trêm...

Aurora... eu me lembro da aurora
E de tantos crepúsculos - passageiros,
Finitos e frágeis como tudo.
Sim! Como tudo que mudo insiste em falar
E bordar no silêncio o que poemas
Jamais seriam capazes de expressar;
O ar que me falta clama e salta
Para a caldeira me cegar
E o que eu tenho é a falta
Que mata o sono ao cantarolar
Que eu não vou! Eu não vou entrar!

Que o trem da meia noite
E do açoite das pálpebras pesadas
Vá e esqueça de mim;
Que esqueça a estação
No infinito e afins
De céu, cansaço e mar;
Pois digo em alto e em bom som:
"Eu não vou embarcar!"

______________________________________
24/05/2018

Serenata à SaudadeOnde histórias criam vida. Descubra agora