Serenata à Saudade

Ato VI : Oração Ao Deus Inexistente

Tenho passado meses sem escrever;
Tenho sentido, em minha garganta,
Um nó subverter a consciencia
Trazendo sono e saudade...
Toda irrealidade que me abraça nos sonhos
Tem silenciado meus versos,
E com eles, minha pulsação

Ao olhar a folha vazia,
Sinto-me refletido por entre as linhas
Tão cheias de tardes chuvosas,
Abarrotadas de televisões ligadas
P'ra preencher o silêncio da casa,
Cantigas em voz alta para aquietar a mente
E sofas vermelhos frios e vazios

Ainda lembro de sorrisos sem motivo
E almoços onde o som eminente
Era o de talheres lentos;
Ainda lembro de olhos perdidos
Vagando pelo chão, como quem perdeu algo pequeno,
E procura apenas p'ra ocupar o tempo.
Ainda lembro de minha falsa serenidade
Olhando os grãos de areia, tesouro,
Escorrendo por entre meus dedos...

Nascer destinado a morrer
Não me parece algo divino.

Lembro-me d’uma silhueta, distante, de pé,
Olhando calmamente a rua e o céu,
Com sonhos de horizonte nos olhos,
Tesouros guardados no coração
E cabelos de neve cobrindo pensamentos ardentes;
Lembro-me do arrastar de chinelos pela casa,
Lento e paciente como tudo que percebeu
O que a vida é...
Lembro-me de orações fervorosas
E convicções pintadas em olhares
Que se perdiam em devaneios
Todas as vezes que um amém era quebrado.

Nascer tendo a morte como única certeza
Parece-lhe uma benção de um deus amoroso?
Se ainda há dor e morte:
Quão inútil fora aquele suposto sacrifício!

Eu a vi buscar apenas conforto
E encontrar agústia e escuridão;
Se ajoelhar até não mais poder
E receber a destra da solidão;
Erguer as mãos para o céu sem saber
Que não há céu além do espaço
Profundo em sua vastidão. Em vão,
Buscar união e paz e seu deus dizer com calma:
"Tereis paz; pois a espada penetra-lhe
Até à alma."(Jr 4:10)

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Escrito em 06/08/2018