Buscou-lhe então a parte que faltava.
Não sabia se era a verdade que faltava pois,
Afinal, havia muita verdade por aí.
Verdade esbanjando e transbordando adoidada.Pensou que era poesia, mas descartou, afinal
Não havia ontem mesmo presenciado,
Em uma live, um recital?Pensou que era dor, mas dor não era
Pois havia sempre uma dor, no ombro ou no torso,
Nas costas ou no pescoço. Onipresente e sem choro.Pensou que era falta de dinheiro, mas dinheiro não era,
Que outra coisa poderia comprar,
Se tudo o que um dia cobiçara, tivera?Pensou, pensou e pensou.
Rabiscou cálculos e teoremas,
Passou noites curvadas à companhia de um café ácido.
Mas nada mudou. Nada passou. Só perdurou.Ligou a tevê, e ali então,
Anunciado em alto e bom som,
Números em negrito grandiosos demais,
Baboseiras ditas fáceis demais.Talvez fosse isso, concluiu, e anotou.
Talvez não fosse uma dor só sua, mas de uma nação,
E não soube descrever em palavras,
Em poesias de recitais,
Em trechos retirados de jornais,
Em choros não chorados,
Em nervos em frangalhos.Talvez fosse dor chorada e não recitada,
A perda da falta,
Falta de uma nação.
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Urbano
RandomLembranças de um apartamento, rabiscos de uma quarentena que se inicia mas não se sabe se acaba.