4 - Frankie

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Acordo primeiro que Faith, com a cabeça dolorida e as vistas cansadas. Passei muito tempo lendo outra vez.

Em silêncio, entro no banheiro para me arrumar e acabo me demorando no banho com água quente. Mesmo do lado de dentro do campus, o frio me faz querer ficar ali o dia inteiro e não precisar encarar as aulas e as pessoas. Entretanto, não posso me dar a esse luxo. Tenho sempre que lembrar a mim mesma que eu escolhi estar ali para poder ter uma vida melhor e que, na verdade, minha vida ali já é muito melhor do que qualquer coisa que já tive.

Atraso-me alguns minutos, mas consigo chegar a tempo da minha primeira aula: escrita criativa. Me permiti pegar aulas mais artísticas neste semestre, além de ter entrado no jornal da Linnaeus. Escrita. Esse caminho que quero tomar para a minha formação.

Escrever é uma habilidade que domino com muito mais facilidade do que falar. As palavras são seletivas em meu cérebro. Se abro a boca elas somem; se pego uma caneta, elas se aglomeram em uma fila desorganizada, ansiosas para surgir no papel.

Muito calouros estão na minha classe. Suponho que metade deles abandonem a classe ou mudem drasticamente de caminho no próximo semestre. É típico.

Deixo a minha mente vagar para a trama de horror que li na noite passada enquanto o Sr. Danes, um homem idoso de gravata e sem terno, começa um blá blá típico de primeiro dia de aula. Ele está falando sobre como funcionaria o esquema de notas nos trabalhos quando é interrompido por uma caloura de cabelos negros e franja na altura da testa, que entra atrapalhada, atraindo a atenção da turma.

— Desculpa o atraso, eu me perdi — justifica, passando por entre as carteiras.

Sr. Danes acena com descaso para que ela se sente e, claro, ela vem para o meu lado no fundo da sala onde há um único lugar vago.

— Oi — sussurra, com um sorriso educado.

Eu me limito a balançar a cabeça em resposta, evitando olhá-la diretamente.

Um garoto na minha frente murmura uma desaprovação. Já o vi em outras aulas, mas não lembro de seu nome. Sou boa em lembrar de rostos, mas não de nomes.

A menina ao meu lado afunda um pouco na cadeira, envergonhada.

— Não se preocupe, você se acostuma com o campus, logo vai parar de se perder — ofereço, relutantemente, um consolo.

Se perder pelos corredores é algo comum para mim, mesmo que não mais com tanta frequência quanto no meu primeiro ano. Eu odeio perambular. Só vou para onde eu tenha necessidade e, em consequência disso, estou familiarizada com apenas uma parte limitada do campus. Se pego novas aulas, tenho que ir para novas salas e, assim, cada semestre é como estar em uma nova escola.

— Obrigada. Na verdade, eu acabei de chegar... acho que sou atrasada por natureza — lamenta baixinho, dando de ombros. — Eu sou Maddie — vejo pelo canto de olho ela estender a mão para mim depois de alguns segundos de silêncio.

Tenho vontade de suspirar, mas não o faço. Pobre garota ela é, se a primeira pessoa a quem ela se apresenta na Academia sou eu.

— Frankie. — Me viro para ela, com um sorriso sem dentes e ignoro a sua mão estendida, meio torcendo que ela se ofenda e pare de falar comigo.

Seus olhos dourados, grandes e redondos se arregalam um pouco ao perceber os meus. Ela sorri para disfarçar.

Desvio o olhar para o meu livro, observando fotografias da primeira página e me esforço para não agir de forma sociável de novo. Tarefa fácil, já que as pessoas tendem a não falar comigo após encontrarem meus olhos cor de sangue.

Pelo menos é o que penso...

Maddie cutuca meu ombro, prestes a puxar conversa outra vez. O fantasma do seu toque me incomoda e luto contra o impulso de me sacudir para longe. A garota abre a boca para me dizer algo, porém um grito agudo explode em nossos ouvidos. O som alto não vem da garota ao meu lado, mas sim do corredor.

Minhas mãos se umedecem e fico de pé num pulo, procurando pela parede mais próxima para me encostar.

— Fiquem aqui. — Sr. Danes diz, mas ninguém obedece e dentro de poucos segundos todos já estão de pé indo atrás do professor.

Fico imóvel assistindo a multidão que se aglomera no corredor. Só de pensar em mergulhar naquele mar de gente, o meu coração se acelera enquanto urra para que eu vá para longe deles.

— Você não vem? — pergunta Maddie, fazendo menção para me tocar, mas eu me afasto balançando a cabeça.

Não! Não! Quero gritar, mas minha boca parece seca demais, petrificada.

Ela compreende meu pânico e aumenta distância entre nós com as mãos estendidas na frente do corpo. Contudo, me observa com preocupação.

Um burburinho começa a circular pela sala e meu coração se acelera mais ainda, quando consigo identificar o que estão dizendo.

— ...todo ensanguentado.

—...mataram e deixaram no armário de uma garota.

— É um corpo.

Dessa vez, as palavras me abandonam por completo. Se o pânico já me invade por inteiro apenas por ver as pessoas nos corredores todos os dias, a perspectiva de ver gente morta passa como um tufão por minha mente, deixando espaço apenas para o vazio enervante e uma única palavra: morte. Morte a uma porta de distância.

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