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ESTHER
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23 de dezembro de 2020
Quarta-feira
Esther acordou às cinco da manhã com Lasanha comendo sua almofada. Sem energia para repreendê-la como deveria, a moça apenas praguejou mentalmente e enfiou a cabeça no travesseiro. A vira-lata peluda latiu, abanando o rabo. Desde que aprendera a como abrir a porta do quarto, Lasanha passou a visitar seu quarto com mais frequência — e ninguém tinha coragem de deixá-la do lado de fora durante as noites para destruir o lindo jardim da avó. As roseiras impecáveis haviam sido destruídas há algum tempo, e a família teve que proibir as aventuras noturnas da cadela.
Além da almofada destruída, seu tapete felpudo foi parar em seu banheiro. Esther só esperava que Lasanha não aprendesse a destrancar portas.
— São cinco da manhã, cachorra maluca — ela murmurou, notando que havia babado exageradamente em sua fronha. Lasanha deu um latido agudo e cutucou-a com a pata, arranhando seu braço. O aviso canino era claro: SE VOCÊ NÃO ABRIR A PORTA IMEDIATAMENTE, FAREI COCÔ EM SEU TAPETE.
Sem alternativa, Esther se levantou e desceu cambaleando as escadas. Ela quase gritou de susto quando deparou-se com seu primo na porta da sala; a metade do corpo para dentro e a outra para fora. Congelado, os olhos do rapaz se arregalaram e fitaram a prima.
— Que susto, Henrique! — ela sussurrou mais alto do que pretendia, colocando a mão no peito. Lasanha passou pelo rapaz para fazer suas necessidades no jardim.
— Fale baixo, imbecil — ele disse, fechando silenciosamente a porta. Henrique passou por ela, prestes a subir as escadas correndo. Mas Esther agarrou seu braço, empurrando-o contra a parede. O primo fedia à alguma bebida alcoólica.
— Onde você estava? — ela disse seriamente. Esther costumava encobrir as aventuras do primo vez ou outra, mas às vezes ele passava dos limites. Ele com certeza havia saído escondido na noite anterior e só voltara àquela hora.
— Não te interessa — ele brandiu, puxando seu braço. — E cale a boca. Se falar com sua mãe ou com a vovó, você vai ver.
Henrique subiu as escadas como um gato teimoso e taciturno. Esther esfregou os olhos, sentido-os pesados. Sabia que se voltasse para a cama não iria dormir mais; por isso, foi para a cozinha preparar o café da manhã. Ela escolheu uma das canecas natalinas — a verde musgo com uma cabeça de cervo — e subiu novamente para o quarto com a bebida quente nas mãos. O enchimento de sua pobre almofada estava espalhado por todo o quarto, mas ela recolheria aquilo mais tarde. Ela abriu a persiana da pequena janela acima da escrivaninha, observando a fina chuva caindo na diagonal. Baixando um pouco mais os olhos, ela fitou parte da casa de sua vizinha. Jaine com certeza ainda não havia acordado. Não que ela se importasse com aquilo.
Esther bebeu mais um gole do café e se sentou na cadeira. Desde que Jaine começara a morar naquela casa, algumas coisas haviam ficado bem estranhas. Assim como grande parte dos vizinhos, Esther sabia da história — de que Jaine fora a única pessoa disposta a se mudar de cidade para cuidar de seu avô. Desde então, era comum vê-la pelas ruas ou andando pelo extenso jardim de sua casa. Mas algo havia mudado. Esther odiava admitir aquilo para si mesma, mas começara a ficar um pouco obsessiva para com aquela mulher. Ela já a conhecia de vista há anos — especificamente, desde os seus doze anos — mas nunca havia sentido aquilo. É claro, Esther era só uma criança na época; e Jaine era bem mais velha que ela. Contudo, no momento em que Jaine chegara para ficar na cidade, Esther não pôde deixar de perceber o quanto ela estava diferente e mais bonita.
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Esther & Jaine
Short Story❆ Conto de Natal II • 2020 ❆ Poucos dias antes do Natal, Esther se viu - literalmente - diante de um dilema que a pertubava há meses: ela suspeitava estar apaixonada por sua vizinha. Tudo havia começado em uma festa no mês de agosto; evento do qual...