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JAINE
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23 de dezembro de 2020
Quarta-feira
Nem sempre as coisas acontecem como planejamos.
Em seus trinta e quatro anos de vida, Jaine já sabia que criar muita expectativa pode desmoronar nossos dias. Talvez as coisas aconteçam na hora e no dia que têm que acontecer — e ela acreditava nisso. Mas isso não significava que compreendia os motivos. Por vezes, ela achava os acontecimentos um tanto injustos e chorava implorando a qualquer divindade que a escutasse. Por quê? Ela se perguntava em algumas ocasiões. Por que tenho que passar por isso?
Jaine esperava passar por aquela situação a qualquer momento a partir do dia em que decidiu ser responsável pelo seu avô. Mas não na véspera do Natal; um de seus dias favoritos desde que era criança. Não naquele dia.
Ela havia acabado de preparar o jantar para o avô quando percebeu algo estranho. O Sr. Dionísio estava sentado no sofá da sala, bem ao lado da cozinha — e, como era de costume, assistia ao telejornal das dezessete horas.
— Vovô, o jantar está pronto — ela colocou o prato sobre a mesa, arrastando a cadeira para ajudá-lo a se sentar. Ela foi até ele, pousando a mão em seus finos cabelos brancos. Sua cabeça pendia para o lado, apoiado no encosto alto do sofá. — Dio?
A princípio, Jaine achou que ele estivesse dormindo. Com os fortes remédios que ele tomava para a dor nas pernas, aquilo às vezes acontecia — seu avô dormia em qualquer lugar e a qualquer hora quando tinha sono. Jaine tocou seu ombro, ficando de frente para o homem. Seu coração começou a bater mais rápido quando percebeu que o avô estava completamente imóvel. Não havia pulsação. Seu coração não batia. Mas ele estava tão quente e com uma expressão tão serena no rosto — como se estivesse tendo um sonho maravilhoso no paraíso — que Jaine se recusou a acreditar que ele estava morto.
Não podia estar. Não naquele dia — era quase véspera de Natal!
— Vovô? — Jaine sentiu seus olhos se encherem de lágrimas. Ela colocou a mão em suas bochechas ainda mornas. — Vovô! Por favor, acorde!
Em uma tentativa inútil de fazê-lo voltar do sono profundo e eterno, Jaine colocou a mão em seu peito; como se tentasse fazer seu coração voltar a bater. Mas ela não sentia nada.
Jaine ligou para a ambulância rapidamente. A espera pelos paramédicos pareceu durar uma eternidade. Ela se sentia perdida; e, ao mesmo tempo, apática. Francisco cutucava a perna de Dionísio com o focinho, abanando o rabo. Jaine começou a andar em círculos pela sala até que, finalmente, o som da ambulância foi ouvido.
A morte de seu avô foi confirmada minutos depois. Sem ter como resolver muita coisa àquela hora da noite, ela ligou para os pais para dar-lhes a notícia. Falar parecia ainda pior. Vovô está morto. Aquilo não parecia real. Não podia ser.
Ela deixou com que os pais contassem ao restante da família. Todos os vizinhos ficaram sabendo minutos depois da ambulância partir com seu avô — mas ninguém foi até ela para prestar sentimentos ou qualquer coisa do tipo. Ela não se importava. Naquele momento, ela preferia ficar sozinha — ela, Francisco, o panda gigante e o jantar que acabara de preparar para o avô.
Jaine não conseguiu dormir naquela noite. Seus pais sugeriram que ela voltasse para a casa deles, mas ela negou. Queria ficar sozinha. Mesmo exausta, seus olhos pregaram no teto do quarto torcendo para que aquele bolo em sua garganta desaparecesse. No entanto, nenhuma lágrima sequer saiu. Jaine não conseguia chorar.
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Esther & Jaine
Short Story❆ Conto de Natal II • 2020 ❆ Poucos dias antes do Natal, Esther se viu - literalmente - diante de um dilema que a pertubava há meses: ela suspeitava estar apaixonada por sua vizinha. Tudo havia começado em uma festa no mês de agosto; evento do qual...