Dádiva Cruel - FINAL

15 2 5
                                    

A noite de sono bem dormido não livrou a garota de seus anseios na manhã seguinte. Durante todo o dia, deparava-se com seus pensamentos voltados ao encontro macabro da noite anterior e, conforme remoia à lembrança, parecia estar mais certa sobre o presságio que ela expunha.

Apesar de ser estudiosa, sua reclusão social fazia com que odiasse a escola. Porém, agora ela torcia para que as férias acabassem, já que assim seria possível livrar sua cabeça daqueles pensamentos deteriorantes.

Gostaria de ter alguma amiga para conversar e contar seus medos sem ser julgada ou questionada, pois esse papel, sua família e ela mesma já cumpriam bem.

Descansava no sofá após o almoço quando seu celular tocou. Ansiosa por uma boa notícia, atendeu antes mesmo de conferir o número.

— Oi, como ele tá? — Falou rápido, atropelando as palavras.

— Oi Joana, é a tia Selma.

— Ah... oi, tia.

— Você tá bem? Estou com saudades de você.

— To bem. Só preocupada com meu pai.

— Ah, querida. Não é fácil mesmo. A gente fica sem poder fazer nada além de rezar pra ficar tudo bem. Mas vai dar tudo certo, seu pai é um homem forte.

— To torcendo pra isso. — Sua voz desanimada dava à tia a sugestão de que não estava afim de papo.

— Sua irmã e eu estamos preocupada com você, querida. Você não precisa carregar esse peso nas costas sozinha.

— Que peso?

— Você sabe, o seu dom. Eu já tive sua idade, já senti o que você tá sentindo. Conhece sua mãe e sua avó, né? Elas nunca foram muito tolerantes. Eu me sentia sozinha e era horrível não ter ninguém pra desabafar. Queria te convidar para...

— Não quero. — Interrompeu a garota. Percebendo seu tom grosseiro, abaixou a voz. — Eu não quero isso. Não acho que vai me ajudar.

Apesar de reclinar o convite com dureza, Joana nunca esteve tão próxima de considerar a ideia.

— Olha, eu sei o que você tá passando e...— Insistiu Selma.

— Para, por favor.

— Esse pressentimento não pode ser ignorado.

— Não sei do que você está falando. — Seu coração disparou ao ouvir aquelas palavras.

— Ele tem te visitando né, querida? Sei que dá medo, mas você precisa ouvir o que ele quer dizer p...

Desligou o celular e o lançou sobre a cama. Seus olhos marejados misturavam as lágrimas de raiva com as de medo. Tentou usar a lógica para entender como a tia poderia saber o que ela estava passando e viu seu ceticismo à beira do colapso.

Precisava culpar alguém, então escolheu Bianca. De punho cerrado e olhos ainda vermelhos, caminhou até o quarto da irmã. Sem bater, empurrou a porta e adentrou. Bianca ostentava espanto, mas antes que pudesse pensar em falar, Joana proclamou:

— O que você falou pra tia?

— Que?

— Ela veio me ligar. Cuida da sua vida! — Apontou os dedos.

— Eu não falei nada, só disse que tô preocupada com você.

— Eu sabia! Você não tem que se meter na minha vida!

— Calma... A gente só tá preocupada com você. A tia disse que teve uma visão e...

— Bla, bla bla. — Respondeu com um sorriso debochado. — Eu já ouvi isso. Vocês precisam parar de se acharem donas da verdade.

Dádiva CruelOnde histórias criam vida. Descubra agora