Capítulo 6 - Nenhuma paz

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A catedral era silenciosa, como nenhuma outra parte da cidade conseguia ser. Duas linhas de fileiras com bancos e o altar ao fundo. A imagem de cristo crucificado, que só o deixava ainda mais nervoso. Os vitrais brilhando pelo sol em azul, vermelho, amarelo, verde e laranja. O teto com uma pintura que o fazia questionar se aquilo retratava o céu, com seus anjos e santos olhando a vastidão de nuvens que dançavam em volta deles. Aquele céu era para todos, até os pecadores como ele? Sentiu a pressão do local o incomodar.

Se lembrou da primeira vez em que colocou os pés em uma igreja. Sua vó era uma devota, e mesmo sabendo que para o menino de apenas 9 anos não existiam milagres que pudesse o fazer acreditar em deus, ela ainda insistiu alegando que já estava velha e precisava de companhia para ir e voltar em segurança, ele nunca diria não pra a mulher que o criou. Sentava ao seu lado e observada cada detalhe do que podia, como a mulher chorando ao seu lado e rezando pra quero marido não descobrisse a traição, também tinha o casal da frente que pediu ao tal deus misericordioso que não levasse o bebê recém nascido deles que estava entubado no hospital. Como podia acreditar em algo que não via? Como acreditar que algo tão bom existia em um mundo tão cheio de crueldades? Certamente se fosse deus ele teria criado um mundo melhor. "Mas ele nos deus livre arbítrio.", bobeira, aquilo soava como desculpa. Qualquer ação tem reação, por que eu deveria me culpar por isso?, era assim que ele pensava.

Olhou para a esquerda e viu a cabine de madeira escura com duas entradas, o confessionário. Sua vó o fez entrar e falar "Me perdoe padre, pois eu pequei."

— Mas por que eu preciso falar isso? Eu não fiz nada. — estava emburrado, não havia feito nada de mal, era um bom menino, apenas não acreditava em deus. E seu pai havia o ensinado que desculpas se pede diretamente pra a pessoa com quem fizemos algo, por que ele deveria pedir para um terceiro? Aquilo não fazia sentido

— Oh, meu querido, neto. Por favor. Sua vó está ficando velha, faça o desejo dela ao menos uma vez, você tem sido tão bonzinho comigo. — ele assentiu

Sentou-se no banco revestido por um pano em camurça vermelho, o ambiente era escuro e cheirava a madeira pura, a divisória tinha uma espécie de janelinha com a madeira trançada, onde só conseguia ver o desenho do padre e não muito seu rosto, acreditou que pra ele era a mesma coisa.

— Me perdoe padre, pois eu pequei. — disse como se estivesse participando de uma peça teatral

— A graça e o perdão do nosso senhor não tem limite. Confesse seus pecados e será livre.

Aquelas palavras martelaram em sua cabeça por anos afinco, e continuava sem entender. Após sua vó ser levada dele já não tinha mais motivos para sequer pensar em igrejas e em suas doutrinas, foi levado por aquele "bom deus" o último laço que nunca chegou a criar e estava confortável com isso. Sentou no terceiro banco a esquerda, contado de trás para frente. Haviam poucas pessoas, para ser mais exato além dele mais 4 pessoas estavam nos bancos espalhos como grãos que caem da peneira. O que estava fazendo ali? Seus pés o guiaram até lá como um cão que segue um caminhão de mudança, mas quando ele finalmente para e abre a porta, o cão já não sabe o que fazer. Uma moça entrou na igreja com sua filha, duas ômegas, a criança parecia está com medo, podia sentir seu cheiro.

— Não fica assim, a mamãe só vai se confessar e nós vamos embora. O padre vai me perdoar.

Bufou irritado, ainda não entendia o porquê dessa procura tão grande pelo perdão divino, os achavam patéticos, mas mesmo assim ainda permanecia ali olhando para o grande órgão na parte superior do altar. Hoje completava os 7 anos que sua vó faleceu. Um sorriso falso surgiu em seus lábios. As mãos que estavam em seus joelhos agora seguravam a base do banco e apertavam como se a culpa de tudo o que aconteceu fosse daquela madeira sem graça.

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