Uma nem tão breve introdução à Lauren Michelle

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Lauren Michelle e eu sempre estudamos juntas. Quero dizer: eu passei a contar o nosso “sempre” a partir do momento em que fui sorteada para a mesma turma de português que ela no primeiro ano do Ensino Médio.

Não vou mentir e sair dizendo que eu era a pessoa mais conhecida daquela sala, eu conversava com no máximo quatro pessoas e olhe lá. Talvez até fosse pelo fato de passar quase todo o tempo possível estudando sem parar. Ok, esse era muito provavelmente o motivo para os outros alunos me evitarem tanto.

Mas Lauren Michelle era completamente o contrário de mim. Vivia rodeada de amigos e parecia ser a pessoa mais extrovertida do mundo. Olha só, ela era popular! Ser popular assim logo no começo do Ensino Médio deveria ser considerado um grande fato na vida de alguém, não é? Pelo menos eu considerava isso algo grande. Essa época da vida pode ser bem cruel com as pessoas, mas aparentemente não era com ela. No entanto, fora da turma de português, eu sempre a via bastante quieta – também havíamos caído na mesma turma de história e matemática –, então talvez ela não fosse assim tão extrovertida quanto eu pensava.

Meu coração pulava de ansiedade toda vez que eu a via com a cabeça apoiada nas mãos, estampando a maior cara-de-pau entediada do mundo nas aulas de matemática. A situação do meu coração piorava quando a professora de
matemática saía e a de história entrava na sala. Ela nem se dava ao trabalho de disfarçar a preferência pela matéria: corrigia a postura, deixava o corpo meio
jogado para a frente da mesa e seus olhos brilhavam.

Lauren Michelle estava definitivamente num nível acima do que eu conseguia considerar possível para a minha lista de amigos. Pelo menos era isso o que eu pensava. Ela era linda, é linda, sempre foi. Desde aquele primeiro dia de aula todo mundo deve ter chegado à mesma conclusão quanto ao fato de que, aquela menina, definitivamente havia sido abençoada no setor facial. Enquanto isso eu...bem, durante aquele começo e meio de adolescência eu era...eu. Essa é
uma boa forma de explicar isso. Enfim, o meu eu-recluso interior criou essa imagem de que Lauren Michelle era superior a mim, a Camila-qualquer-coisa.

A gente se via muito, afinal de contas três aulas juntas já era um fator que facilitaria a aproximação. Foi uma questão de tempo para que eu vencesse a ansiedade e começássemos a conversar, e foi uma questão de tempo também para que eu me desse conta de que havíamos virado amigas, e, então, melhores amigas. Esse foi definitivamente um momento revelador na minha vida (falar “um divisor de águas” soava muito dramático aqui), já fazia quase um ano que éramos amigas, saíamos juntas e íamos sempre uma na casa do outra. Eu
descobria mais dela a cada dia.

No nosso primeiro mês de amizade eu descobri que ela não gostava muito de contato físico, então eu evitava ao máximo para não a aborrecer. No segundo, eu descobri que ela era filha única e que havia sido criada apenas pela mãe e pela avó e que ela preferia ser chamada apenas de Lauren. No terceiro eu descobri que Lauren era uma baita de uma nerd, tanto quanto eu.

Ela já tinha visto todos os episódios possíveis de Pokémon e Digimon, falava que a briga entre os fãs dos animes era idiota; também amava Star Wars e tinha um pôster enorme da Princesa Leia no quarto, falava que era a melhor personagem já criada; ainda por cima colecionava as cartas de Yu-Gi-Oh e achava o Exodia superestimado.

Quando eu parei de contar os meses, Lauren começou a buscar contato físico comigo. Antes eu sentia o incomodo e o desconforto nela quando a tocava sem querer, mas depois desse tempo foi ela que passou a procurar e fazer isso.

Criamos esse costume de sermos o apoio uma da outra. Tanto emocionalmente, como fisicamente. Ela sempre foi bem mais alta do que eu – mais uma de suas bênçãos genéticas –, então me apoiar e recostar contra ela era uma das minhas coisas favoritas da vida, isso melhorava quando ela me abraçava em meio a isso. Ou então quando ela parecia uma criança assustada, me abraçava e apoiava a cabeça no meu ombro e ficava ali, até o que quer que seja que a tenha deixado ansiosa passasse.

E eu não reclamo disso. Nunca reclamei.

Avancemos para os dias de hoje, finalmente. Lauren e eu estudamos na mesma faculdade. Quero dizer, no mesmo campus, mas cursos diferentes. Ela estuda Geologia com algum tipo de especialização em paleontologia, algo que ela sempre disse que queria fazer. Eu estudo Cinema. Não é um curso tão emocionante e empolgante quanto eu pensava, mas é algo que eu gosto de fazer mesmo assim.

Nós duas moramos – praticamente – juntas. Na verdade, talvez esse não seja o jeito certo de colocar isso em palavras, mas, de alguma forma, dizendo assim eu me sinto bem. Quando começamos a faculdade, morávamos em dormitórios diferentes, o dela obviamente próximo aos prédios do seu curso e o meu próximo aos de audiovisual. Obviamente, nenhum jovem recém-saído do Ensino Médio com um emprego qualquer numa cafeteria consegue se manter muito bem sozinho por muito tempo sem pedir a famosa ajuda dos pais. Então veio a decisão que, como pensávamos, tornaria tudo mais fácil: dividiríamos um dormitório.

De Todos Os Motivos (Adaptação Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora