Dia 13 de dezembro, 2013.

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– Camz. – Lauren disse em voz alta, de repente, quebrando o silêncio.

Virei a cabeça na direção dela, estávamos deitadas no chão do quarto dela, lado a lado.

– O quê?

– É o seu apelido. – Ela disse, sem tirar os olhos do teto do quarto.

Voltei a olhar para cima como ela. O teto inteiro era pintado de preto e tinha várias estrelinhas que brilhavam no escuro grudadas ali.

– Meu nome é curto, e alguns me chamam de Mila.

– Exatamente, todo mundo te chama só de Camila ou Mila. Eu quero te chamar de
outra coisa, que só eu saiba.

– É quase a mesma coisa que Camila. – Retruquei.

– Mas só eu falo o som do Z. – Ela deu de ombros.

– Então eu preciso de um apelido para você também.

Fechei os olhos, tentando pensar em alguma coisa. Lembrei de todos os
apelidos que ela já tinha, não eram poucos. Laur, Laurmich (esse era uma junção dos dois nomes que só a mãe dela usava), Lo, Laurzinha, Mich, Michellinha. De todos esses, ela sempre deixava claro que gostava só do Laur mesmo.

– E aí? – Ela perguntou, curiosa, depois de um bom tempo em que eu não falei mais nada.

– Não sei. – Desisti. – Eu já gosto do seu nome sozinho o suficiente.

– Você meio que já fala de um jeito só seu. – Ela observou com um riso leve na voz.

– Sério? Como?

– Não sei imitar, mas parece que você fala mais rápido que todo mundo, fica uma mistura de sons do “LOu” e do “Ren” de uma só vez.

– Isso não fez sentido nenhum, Lauren.

– Isso! Desse jeito mesmo. – Ela exclamou. – Fala de novo.

– Não. – Ela se virou e me encarou por um longo segundo, me fazendo desistir do silêncio. – Lauren.

Ela abriu um sorriso.

– Viu?

– Não, não faz sentido.

– Para mim faz, é o que basta.

Caímos no silêncio mais uma vez.

A janela do quarto estava aberta e conseguíamos ouvir uma chuva forte “de verão” começar a cair do lado de fora. Já era o final do ano, nosso último ano de Ensino Médio. Ainda estávamos esperando os resultados dos vestibulares, mas já não tínhamos mais aulas da escola e todos já haviam se despedido. Não me despedi de Lauren no último dia de aula porque sabia que continuaríamos nos vendo quase todos os dias. Eu me sentia mal naquele momento. Por pura incerteza de como seria o próximo ano.

Eu quero fazer faculdade de Cinema, não que eu sempre tenha sido apaixonada por isso na vida, mas foi algo que eu fui criando gosto e tomei essa decisão com base nisso. Lauren quer fazer geologia, o caso dela é diferente do meu, ela sempre foi apaixonada por tudo e qualquer coisa que estudasse a Terra como um todo.

Desde o começo das inscrições para os vestibulares nós não falamos muita coisa sobre isso, nem de onde faríamos o curso. Eu tinha medo de que fossemos cada um para um canto do país, e, no fundo, eu queria que Lauren também tivesse esse medo.

– O que a gente vai fazer? – Ela perguntou subitamente.

– Como assim?

– Da vida. Ano que vem, faculdade, cidades...

– Ah... – Foi a única coisa que eu consegui responder. Uma sensação gelada caiu sobre mim e se alojou na minha garganta. – Eu não sei... Os resultados ainda demoram, né.

– Demoram. – Concordou. Ela se virou completamente de barriga para o chão e afundou o rosto na almofada em que apoiava a cabeça, inquieto.

– A gente pode não pensar nisso até lá. – Eu sugeri isso como se não pensasse em todas as possibilidades a cada segundo.

Lauren se mexeu mais uma vez, levantando o suficiente para se arrastar até mim e deitar a cabeça na minha barriga e fixou o olhar em mim dali. Eu ainda estranhava as vezes em que ela buscava contato físico tão abruptamente.

– Eu não consigo não pensar. – Fechou os olhos. – Ficar fazendo nada igual agora, mas sem você... Parece coisa de outro mundo.

– Coisas de outro mundo também podem ser boas. – Brinquei, puxando de leve uma mecha de cabelo dela.

– Essa não seria. – Bufou. – Não é.

Senti um aperto leve no peito quando olhei para ela de olhos fechados apoiada em mim daquele jeito. Essa foi a primeira vez em que eu me senti questionar realmente o que éramos uma para a outra.

– Então pensa que a gente vai passar para a mesma faculdade e vamos continuar estudando juntas.

Ela abriu os olhos e sorriu. Meu coração se apertou mais uma vez, eu a acalmava, mas dentro de mim tudo se remexia.

– Bem melhor. – Comemorou. – Nós podemos até morar em dormitórios próximos, assim não íamos precisar de ônibus para nos ver.

– Definitivamente essa é uma ótima ideia. – Desde que começamos a ir na casa uma da outra a maratona de esperar meia hora no ponto de ônibus e mais meia hora de viagem até a casa dele já havia me cansado muito.

– Viu? Nós duas estamos pensando positivo agora. Vai dar tudo certo.

Assenti, ela se remexeu e ergueu o olhar para o teto mais uma vez.

– Você também tem medo de pensar no futuro? – Perguntei, eu sabia que isso incluía voltar a conversa para a incerteza da faculdade, mas internamente a minha pergunta se referia a realmente anos à frente.

– Eu tenho pavor. – Admitiu. – Mas eu gosto disso, não saber o que vai acontecer e o que vai ser de nós é bom, faz tentar deixar as coisas boas agora, para depois serem melhores ainda.

– Você deveria ser um filósofa grega, não uma geóloga brasileira.

– Não tive essa opção, mas no futuro quem sabe. – Brincou. – Viu? Futuro de novo.

– Futuro de novo. – Repeti.

– Para falar a verdade – ela voltou a me olhar –, quando eu penso no futuro agora, eu só penso que ainda quero estar com você do meu lado.

Não contive um sorriso.

– Quem sabe. – Brinquei.

– Quem sabe. – Ela repetiu.

De Todos Os Motivos (Adaptação Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora