Dia 2 de Novembro, 2016.

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Respirei fundo antes de levantar as mãos na direção do teclado do
computador. Eu me sentia estranha, e a sensação de estranheza piorava quando
pensava que estava prestes a expor uma boa parte dos meus sentimentos para
estranhos de um fórum em busca de ajuda. Ok, ninguém ali nunca vai saber
quem eu sou de verdade, todos do fórum usam apelidos esquisitos e nunca os
nomes reais, mas, ainda assim eu me sentia estranha.

Folheei meu diário ao lado do computador algumas vezes antes de
começar a digitar a primeira frase, como se eu precisasse de ajuda para escrever
aquilo, e logo senti que o meu peito iria explodir com todas aquelas sensações de
volta. Só uma frase:

Essa vai ser um pouco estranha.

Empaquei de novo, apaguei tudo. Eu deveria mudar o nome de Lauren
naquele texto. Né?... Na verdade, eu não deveria nem estar me perguntando esse
tipo de coisa, isso era óbvio, se ninguém usava seus nomes reais no fórum porque eu iria até mesmo pensar em usar o nome real dela? Para ser sincera, eu ainda me questionava se deveria estar escrevendo aquilo para ser postado publicamente em primeiro lugar. Não é como se Lauren fosse ler, de qualquer jeito... Mas eu precisava saber o que outras pessoa me diriam e me aconselhariam a fazer sobre toda aquela situação.

Estalei os dedos e o pescoço, como se me preparasse para uma luta longa e difícil contra o meu arqui-inimigo, e digitei a mesma frase mais uma vez.

E, claro, empaquei de novo. Sentia que a qualquer momento ela entraria no quarto sendo espalhafatosa e veria que eu estava a expondo na internet. Passei a mão pelo cabelo, afastando a franja que já me irritava de tanto cair no rosto, e voltei a digitar.

Essa vai ser um pouco estranha.

A M. e eu éramos da mesma turma de português, história e matemática no Ensino Médio. Eu sempre achei que ela estivesse completamente fora da minha possível listinha de amigos. Ela sempre pareceu meio "fora dos limites", porque era muito bonita - não malhada como a maioria das outras
meninas da escola queriam ficar, apenas com um corpo muito bem formado e uma genética abençoada no rosto - e parecia (na verdade é) muito inteligente e divertida.

Então, por conta de todas essas coisas, eu me brecava de qualquer interação, imaginando sozinha que ela era uma figura intocável e super-popular para mim. A gente acabava se vendo muito na escola. Num certo ponto, já havia passado da hora de deixar de ter medo da M. e tomar coragem para tentar ser amiga dela, né? Então aconteceu.

Mais ou menos um ano depois que começamos a sentar juntas na escola e a sair juntos, eu tive um momento extremamente revelador, quando me dei
conta que não éramos mais "amigas", percebi que ela era a minha melhor amiga.
Durante aquele tempo todo eu achava que estava ali, ao lado dela, apenas para contar como uma a mais na sua listinha de amigos- que ela estranhamente falava pouco sobre.

Eu havia me enganado completamente sobre a M.. Sim, ela era até que bem quieta, mas isso era porque ela era um pouco introvertida - ao contrário do que eu achava - e não gostava de falar de si mesma, na verdade. Ela sempre foi uma das melhores pessoas para conversar sobre os problemas da vida, ela ouve tudo.

Além disso, eu sempre achei que ela fosse aquele tipinho de adolescente descolada e cool que gosta de coisas desconhecidas e indie por aí, mas não, eu me enganei bastante nisso. A M. é uma grande de uma nerd como eu - senão mais do que eu. Ela viu todos os episódios de quinhentos animes e coleciona cartas de Yu-Gi-Oh. Nós passávamos bastante tempo na casa uma da outra, fazendo dever de casa e assistindo TV depois da escola, ela até mesmo me ensinava a jogar as cartas de Yu-Gi-Oh do jeito certo.

Pulando alguns anos até o presente, podemos dizer que a puberdade foi generosa comigo, não fiquei tão bonita quanto ela nem de longe, mas ganhei
bastante confiança em mim mesma. Talvez seja por isso que eu esteja aqui escrevendo esse post publicamente para um fórum. A M. e eu estudamos na mesma faculdade, em cursos diferentes, mas dividimos o mesmo quarto no dormitório.

A questão é: Ultimamente eu tenho me perguntado muito se eu e a M. somos mais do que melhores amigas nessa altura do campeonato.

Parei de escrever e reli tudo que havia escrito até ali várias vezes. Redobrando minha atenção no último trecho. Eu conseguia sentir meu coração
querendo saltar para fora do peito igual quando comecei a escrever isso, como se
fosse sair pela minha garganta para me dar um tapa na cara em todas as vezes que reli a frase " mais do que melhores amigas". Que mico. Mas, eu estava chegando na parte mais crítica do texto. Logo voltei a digitar.

Esses são alguns dos motivos que fazem eu me perguntar isso:

• A M. odeia contato físico. No começo, eu percebi logo de cara que
ela ficava desconfortável quando eu encostava nela, então eu sempre
evitava. Depois de certo tempo, ela mesmo passou procurar contato. Quando a gente está sozinha, ela chega mais perto e põe a cabeça no meu ombro. É meio fofo. Agora a gente se toca o tempo todo - ei, seu sujo que está lendo isso, não é sexualmente -, ela se apoia em mim quando estamos de pé, um do lado do outro, ou coloca o braço em volta dos meus ombros. E eu gosto muito da sensação disso.

• No começo, quando dormíamos na casa da outra aos finais de semana, uma de nós dormia no chão, no sofá, ou qualquer coisa do tipo em que se
pudesse encostar e dormir. Agora, a gente até dorme na mesma cama. Uma vez, acordei com o braço dela em volta de mim. Eu vou simplesmente fazer o jogo limpo: meu coração teve reações extremamente
vergonhosas nessa primeira vez em que isso aconteceu.

• Ela me fez assistir todos os filmes de Star Wars.

• A gente até vai nas viagens de família uma da outra.

Parei de digitar mais uma vez. Agora com muita certeza de que provavelmente eu não terminaria esse texto nunca de tanto que parava do nada. Dessa vez o que me fez parar foi uma memória insistente de um dia de pouco mais de um ano, que, de certa forma, resumia esses três primeiros motivos.

De Todos Os Motivos (Adaptação Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora