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Bosque Sükĕ, ano de Cryva, 0202

"- Eu estou quase desistindo de buscar pela paz, pois ela parece inalcançável. Em nome da paz, tantos dos nossos já morreram, será que vale a pena?"

✥ ✥ ✥

Estava meditando abaixo de uma árvore, quando eu ouvi uma voz ofegante se aproximando e chamando por mim.

- KAI, KAI! - Avistei uma pequena criatura vindo em minha direção. Era Kivyz, ele sempre andava em grupo com os outros de sua espécie, que moravam na mesma região da floresta que ele, achei estranho o fato de, desta vez em particular, estar vindo sozinho.

- Diga Kivyz, o que aprontaram dessa vez?- respondi, pouco interessado em saber sobre mais uma encrenca na qual ele e os outros haviam se metido.

- Vimos uma humana!

-...- Parei de respirar por alguns segundos. - Onde foi que a viram?

- Na estrada. Os outros já estão espalhando a notícia entre os nossos, logo isso chegará aos ouvidos de Iniko.

- Preciso ir até lá! - corri o mais rápido que pude, deixando o jovem para trás. Eu precisava impedir a garota de entrar na floresta antes que Iniko ficasse sabendo disso.

✥ ✥ ✥ ✥

A estrada não estava muito longe dali, a àquela altura, a garota deveria estar procurando um lugar para passar a noite. Eu estava a pouco tempo do portal que separava a floresta da estrada, quando finalmente cheguei até ele, fiz o ritual de passagem, e o atravessei.
O ar do outro lado era diferente. Embora o aroma cítrico e tranquilizador da floresta ainda estivesse presente ali, também era possível sentir o cheiro que a raça humana deixou. Cheiro de sangue, de queimadas, de morte, de destruição, de ego e violência... O que restava de nós ali, era o que nos mantinha seguros deles, até então.
Enquanto eu andava pela serra até chegar na área aberta e deserta da estrada, uma dúvida não saía da minha cabeça. Como ela havia chegado até ali? Já fazem anos (muitos anos), que não víamos um humano sequer. Perdido em meus pensamentos, quase não deu tempo de me esconder da figura que surgiu à minha frente. Ela não era muito alta, bem, talvez fosse alta para os pequenos seres da floresta. Também não parecia ser uma ameaça, parecia um pouco perdida, sem saber ao certo que rumo tomar, e não era absurdamente forte como as guerreiras que eu conhecia. Talvez não fosse certo ser rude, eu precisava encontrar um jeito pacífico de me livrar dela.

O grande Oüky estava se pondo, dando lugar à majestosa Ükian. Me surpreendeu ver como a noite estava bonita. Há anos aquela parte do nosso mundo já estava morta e sem vida. Mas naquela noite, as cores estavam tão vibrantes como jamais estiveram. Os minúsculos e brilhantes seres noturnos flutuavam pelo ar ao redor da humana, enquanto ela se aproximava cada vez mais do lugar onde eu estava escondido. Eu estava atrás de uma árvore, e eu deveria ter imaginado que a garota escolheria uma das árvores dali para dormir. Foi o que aconteceu, ela subiu em uma árvore a poucos metros da em que eu estava. Enquanto ela subia, reparei como era diferente de todos de sua raça que eu já tinha visto, subia cautelosamente, cuidando para que não machucasse o casco, ou quebrasse um galho, exatamente como nós sempre fizemos na floresta. Semelhança estranha. Se ela era tão ruim, porque se preocupava com isso? Talvez ela soubesse que eu estava ali, e estivesse apenas me testando. Essa ideia causava um desconforto muito grande, mas logo esse sentimento de desconforto, foi substituído por algo muito maior, causado pelo que aconteceu mais tarde naquela noite.

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