Past

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 Eu amava filmes.

 Adorava o conceito de passar horas a frente de um televisor, esquecendo do mundo e me deixando ser transportada para outro universo através de uma televisão, ou uma tela de cinema.

 Inclusive, esse era o meu refúgio. O cinema.

 Se fechar os olhos, consigo mentalizar os sons e cheiros. A pipoca estourando. O falatório excitado das pessoas antes de uma nova sessão. O absoluto silêncio dentro da sala, onde inúmeros desconhecidos compartilhavam o mesmo sentimento de desconexão com o mundo real, absortos demais na atmosfera da ficção.

 Há uma brisa fria cortando a Colônia, como nos filmes de terror que eu assistia. Em meio as fileiras de casas, uma densa nuvem cinzenta se arrasta, dando cor ao sereno do amanhecer.

 Um novo dia se inicia, e com ele vem o meu filme de terror particular.

 Baixo o olhar, abraçando a mim mesma quando o sopro gélido da manhã arrepia meus braços. Meus pés descalços pisam na terra dos fundos da colônia, ao lado de onde descobri ficar as hortas que provém a maior parte do sustento dos que restaram.

 Num canto mais afastado, lápides de madeira estão cravadas no solo. São pequenas, mas a considerar pela quantidade, entendo o porquê de quererem economizar espaço. Aparentemente, a Colônia já viu mais membros mortos do que vivos.

 Havia um Tyler Griffiths, morto em 2025. Jenna Franklin, em 2047. Holly Evans, 2069. Maya Jackson, a considerar pelo nascimento em 2088, tinha apenas cinco anos quando morreu em 2093.

  Me pergunto o que aconteceu. O que houve para que todas essas pessoas tenham morrido? Foram contaminadas? Simplesmente adoeceram? Ou não aguentaram a pressão de viver nesse mundo destruído?

 O mundo que nós destruímos.

 Destruímos a ponto dos que restaram sequer terem espaço para enterrar seus entes queridos. Todas essas lápides improvisadas não passam de simbolismo, pois a proximidade torna impossível que alguém realmente esteja enterrado ali.

Localizo a de Miles, sentindo o aperto no meu coração. Morreu no auge de seus 78 anos, o que foi uma vida muito longa a considerar pela situação da população.

 E logo ao lado dele está a de Lacey, que descobri ter sobrevivido também.

 Sobrevivido e ser a mãe de Dom.

 Meu namorado e minha melhor amiga tiveram um filho.

 Em outros tempos eu ficaria abismada. Mas no momento, só consigo sentir alívio por ambos terem sobrevivido por tanto tempo, mesmo que ela tenha partido quase 10 anos antes dele.

 Ouço passos atrás de mim mas não me viro para procurar. Se for Raiden, fico feliz ao imaginá-lo perdendo o restante dos dentes ao tentar me atacar por trás.

 Mas não é ele.

 Enquanto o vento agita meus cabelos, observo por entre os fios escuros enquanto Tom entra no meu campo de visão. Ele não me encara, e vejo seus músculos tensos enquanto suas pernas vacilam no caminho até as lápides.

 Ele tem uma em mãos, e assisto-o cravá-la no solo.

 Rosalie Newman. Nascida em 2083, morta em 2100.

 Meu estômago se agita quando noto que não consigo mais ouvir os gritos de dor do novo pai da Colônia. Me pergunto se o sofrimento o derrotou ou se Sam passou para a fase da raiva, afinal, o luto é composto por muitas etapas.

 Tom caminha de volta até onde estou e para ao meu lado, preenchendo o silêncio ao meu redor com o som de sua respiração baixa.

 Horas se passam, ou são apenas minutos? Não consigo dizer, é como se minha noção do tempo tivesse se dissipado. O sol nasce preguiçosamente e seus primeiros raios começam a bater contra os muros da colônia, reluzindo com dificuldade sobre as lápides de madeira.

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⏰ Última atualização: Sep 08, 2020 ⏰

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