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O Namjoon acordou no outro dia com uma ressaca infernal mas também com um arrependimento enorme por ter dado trabalho pra mim. E aí ele ele já começou a pagar as promessas dele, né? Ele acordou tarde mas fez o almoço pra mim, o que não ficou muito bom porque mesmo a gente morando junto a tanto tempo, ele só tava começando a aprender a cozinhar agora. Ele também lavou a louça, limpou o banheiro e eu fiquei com a noite do domingo livre. Eu tava bem tranquilo com as coisas da faculdade, tudo em dia, e decidi já usar o tempo livre sem ter que limpar a casa pra ganhar o dinheiro que faltava pra eu ir pra Ipatinga.

Eu faço algumas entregas de vez em quando pra Casa do Açaí e à noite eu faço umas entregas pra uma pizzaria. Mandei mensagem avisando que tava livre, peguei minha moto e fui trabalhar. Eu já tava na última entrega de Açaí e depois eu ia pra casa, a pizzaria disse que não ia precisar de mim aquela noite. E quem é que abriu a porta? Ele mesmo: o Jimin, você acredita? Ele também tava surpreso, mas não perdeu a pose. Claro que ele me chamou de gatinho pra me provocar primeiro, mas logo depois ele me chamou pra entrar e tomar açaí com eles também. Ele tinha pedido meio quilo de granola e um pote de um litro de açaí, não era só pra ele aquilo tudo. Eu nem ia entrar, falei que tava indo pra casa já, cansado e acho que fiz mal em falar a verdade porque aí ele insistiu que se eu não ia trabalhar podia ficar ali com eles. Ele abriu mais um cadinho a porta e eu vi que o pessoal todo do carro tava lá. O Hobi e o Teco tavam na sala vendo TV e quando me viu o Hobi perguntou se o Namjoon tava melhor. Ele é tão atencioso! Ele parecia preocupado de verdade, então eu dei um passo pra dentro da casa, aí o Teco perguntou se eu ia querer comprar maconha hoje, falou que no meio da confusão eu nem tinha comprado no dia anterior e eu dei mais um passo pra dentro pra lembrar ele que era o Namjoon que queria, que eu não sou de fumar e tal. E nisso o Jimin fechou a porta atrás de mim. Nesse meio tempo o Taemin já tava pegando potinhos de açaí na cozinha que era conjugada com a sala e contando comigo pra comer com eles também. O Jimin me pagou e quis me dar uma gorjeta mas eu disse que aceitava só o açaí mesmo como agrado. Eu não fico muito constrangido com esse tipo de coisa se é alguém endinheirado querendo me dar gorjeta, mas apesar de achar legal quando gente sem tanta grana reconhece que esse trabalho não é fácil, eu costumo recusar, ainda mais vindo de estudante que é tão ferrado quanto eu. Sei lá, o Teco parecia que tinha dinheiro da família, porque ele tinha o carro. E ele tava com os negócios dele também, mas o resto dos meninos pareciam ser que nem eu, sempre com dinheiro contado.

Aí eu sentei no sofá da sala e o Jimin veio também e ainda falou alto que "cachorro persegue gato" e por isso ele ia sentar do meu lado. O Taemin riu mas o Teco e o Hobi tavam abraçadinhos discutindo se daria pra fazer a decoração que eles viam na TV com cerâmica, pra colocar num projeto do estágio que o Hobi tinha que terminar dali a uns dias. Eu terminei o açaí e já ia embora mas aí o Taemin me pediu carona, porque ele só tinha dormido na casa do primo pra ir pra festa, mas tava voltando pra cidade deles no ônibus das sete. Nisso o Teco e o Hobi começaram a se beijar todo apaixonados no sofá e eu pensei que era melhor sair dali e deixar os dois sozinhos. Eu já tava do lado de fora, pronto pra sair, esperando o Taemin buscar a mochila dele no quarto. O Jimin veio atrás de mim e eu já tava preparado pra ficar irritado ou receber mais alguma piadinha provocativa mas ele só ficou comigo na varanda e perguntou se eu tava cansado do trabalho e depois ficou perguntando umas coisas sobre as entregas que eu fazia. Eu tive que baixar a guarda e responder civilizadamente, né Jungkook? E ele parecia só curioso mesmo. E aí depois só deixei o Taemin na rodoviária e fui pra casa descansar. Como tava calor, bastante gente tava pedindo açaí em casa, o que me rendeu uma grana boa das entregas daquele dia, mesmo sem eu fazer as entregas da pizzaria.

No outro dia, eu recebi outro pedido pro mesmo endereço. Apesar de ter conversado civilizadamente com o Jimin no dia anterior eu não queria que ele me chamasse da gatinho de novo nem nada e eu tava bem disposto a recusar a entrega mas o dono da Casa do Açaí disse que o pedido especificava que eu devia fazer a entrega e que já tinham feito o pagamento de uma gorgeta especial pra mim pelo aplicativo, não tinha nem como retornar o dinheiro. Aí eu fui porque não tinha como recusar e também, nesse mundo que a gente vive, dinheiro é dinheiro. Mas pelo menos dessa vez eu tava com a desculpa de que tinha mais entregas pra fazer e não ia poder ficar dando papo pro Jimin, que sim, tentou me pegar de conversa de novo, me chamou pra entrar que nem no dia anterior e aí quando eu disse que não podia ficar ele me falou, fazendo beicinho, que "tudo bem, gatinhos são animais livres" e aí eu fui embora dali irritado com essa mania dele de me chamar daquele jeito toda hora.

Durante aquela semana inteira o Jimin ficou pedindo açaí, me pagando umas gorgetas bem generosas e pedindo que eu fosse lá entregar. E eu fui, né? No ritmo que eu tava trabalhando e com o dinheiro das gorgetas a mais que eu tava recebendo eu podia ir pra casa no feriado que já tava quase chegando. Ele sempre me deixava ir embora com uma provocaçãozinha e eu não conseguia entender o que ele tava querendo daquele jeito. Era pra me irritar? Se ele me odiava, porque me dava dinheiro e queria me ver toda hora? Até que no sábado, apesar do calor, o dia amanheceu chuvoso e eu não queria me arriscar a andar de moto na chuva, que além de ruim pode ser perigoso. Aí eu recusei o pedido dele e ia encerrar meu expediente mas ele ligou pessoalmente pro dono da Casa do Açaí e disse que ia dobrar a minha gorgeta. Claro que a essa altura ele devia estar achando que tava rolando alguma coisa entre eu e o Jimin, e eu me irritei também com a insinuação do chefe. Mas a grana era boa e eu achava que a chuva não ia conseguir me pegar se eu fosse rápido. Aí eu topei, mesmo que eu já tivesse ficando bolado. Até porque eu também tava decidido a chegar lá e confrontar o Jimin. Já dava pra comprar a passagem pra Ipatinga e eu não precisava mais ficar aceitando aquilo e me submeter a ele.

Só que no meio do caminho a chuva me pegou mesmo e eu já tava encharcado, o Jimin veio abrir a porta e não me deixou ficar na chuva.

-Eu não vi que tava ameaçando chuva, gatinho! Fiquei o dia inteiro no quarto trabalhando numa apresentação que eu vou fazer. Se eu tivesse visto, não ia insistir! Eu juro!

Ele me puxou pra dentro de casa antes que eu pudesse tentar discutir. Ele parecia tão pequeno mas era determinado. Forte eu já sabia que ele era porque não teve nenhum dia naquela semana que ele me recebeu usando uma camisa. E ele tava sempre com aqueles shortinhos minúsculos, dava pra ver que o corpo inteiro dele era bem forte. Não, eu não fiquei secando, Jungkook, eu só olhei porque ele tava ali quase sem roupa sempre, não tinha como não olhar, né? Mas depois de me por pra dentro da casa, ele correu pra pegar uma toalha e quando eu dei por mim ele tava me fazendo sentar no sofá e ele trouxe uma toalha extra só pra secar meu cabelo. A toalha tinha o cheirinho dele, que eu lembrava daquele dia do carro. Eu insisti que tava tudo bem, que eu ia pegar chuva na volta mesmo então não precisava disso tudo e ele falou que só ia me deixar sair de lá quando a chuva parasse, porque era perigoso andar de moto na chuva e fora que eu ia passar em partes da cidade que ficam alagadas com qualquer chuvinha, imagina com aquele chuvão.

E aí eu concordei, só que ele tava me tratando tão bem, tão preocupado de verdade que eu fui ficando, né? Ele perguntou se eu queria roupa seca emprestada, eu recusei mas ele insistiu e me deu uma camisa de flanela quentinha de botão, e ainda fez um café quente pra tirar a friagem. Vai ver ele só tava me dando a gorjeta sempre e me chamando sempre pra fazer entrega porque era mesmo uma pessoa generosa, sei lá, e gostou de mim de algum jeito esquisito. Ele era carinhoso com todo mundo, pelo jeito. Ele foi tão fofo quando se despediu do Taemin, falou pra ele avisar quando chegasse, mandou abraço pra tia e ajustou o capacete na cabeça dele. Mesmo sendo implicante comigo, ele ainda tinha o instinto de cuidar. Só isso explicava ele caçando briga comigo numa hora e na outra se preocupando comigo por causa de chuva.

Quando ele abriu a geladeira pra tirar uma geléia pra passar no pão... É, ele até me serviu um lanche, acredita? Eu vi que todos os potes de açaí que ele tinha pedido tavam lá dentro também. Ele não tinha comido nada, então... Eu fiquei intrigado. Porque ele tava pedindo açaí todo dia? Aquela ideia de confrontar ele tava na minha cabeça, né? Eu tomei só um gole de café e não aguentei mais e perguntei pra ele porque que ele tava fazendo aquilo tudo. Mas claro que eu não fui direto ou suave, né? Fiquei nervoso e fui em tom de briga. Sei lá, eu sentia que ele tava meio agindo daquele jeito por piedade, não gosto disso.

Só que aí eu tomei um tapa na cara. Não literalmente, mas figurativamente. Eu não sei se ele achou que eu tava perguntando sobre me fazer ficar na casa até a chuva passar, mas ele falou o seguinte:

-O meu irmão sofreu um acidente de moto sério num dia de chuva. Eu não quero que isso aconteça com mais ninguém.

E ele tava tão sentido me dizendo aquilo, aquele olhão bonito dele até parece que tava cheio de água. Ele não chegou a chorar, mas eu tive que engolir a minha marra. Eu não ia brigar com ele por causa daquilo. Eu só consegui dizer um "é mesmo?" mais suave. E aí a gente começou a conversar civilizadamente, por um longo tempo, pela primeira vez. Sem provocação nenhuma ou desconfiança de que ele ia me provocar a qualquer momento. Por incrível que pareça, ele nem me chamou de gatinho. Naquele dia, pelo menos, não.

Feito cão e gato | YoonminOnde histórias criam vida. Descubra agora