Capítulo I - Imperador

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O conjunto de chá pôde ser visto sendo jogado porta afora pelos servos que aguardavam ao lado do quarto. O corredor que dava para os aposentos de sua Majestade Imperial se encheu com o aroma de ginseng. As servas em seus uniformes anil e verde idênticos tremiam da cabeça aos pés enquanto recolhiam as peças de ouro, agora amassadas.

O silencio vindo do quarto era quase ensurdecedor, o Rei não estava de bom humor, principalmente depois da notícia que acabara de receber. O oficial prostrado diante do jovem monarca estava ensopado pelo chá, marcas de queimaduras já aparecendo na pele do rosto e nuca.

- Perdão, Majestade. - O homem suplicava com a voz trêmula - Por favor, tenha piedade.

O Rei encarava o oficial como a um animal com seus olhos gélidos. As pontas dos dedos, queimadas por ter jogado o chá quente mais cedo em seu acesso de raiva, passeavam suavemente pelo cabo da espada embainhada na cintura, como se acariciassem ao corpo de uma amante, de modo afetivo e sensual. Diferente de momentos antes, seu rosto não transparecia emoção alguma, um mal sinal. Quão mais irado o homem ficava, mais seu rosto se transformava em uma escultura impassível e fria. Se as servas ali presentes já não soubessem do perigoso jogo que o oficial militar estava prestes a perder, e se não fosse pela horrorosa cicatriz atravessando seu olho direito, poderiam dizer que as feições de seu soberano eram belas, mas elas já sabiam o que estava por vir. Seus olhos tremiam tanto quanto as mãos, tentando não olhar nem o homem, nem o Imperador.

- Quais eram as ordens, soldado? - A voz do monarca era profunda e solene, como se ele tivesse nascido sabendo falar como um. Uma voz que poderia vir das profundezas ardentes do inferno, quente e ao mesmo tempo fria, que fazia os pelinhos da nuca se arrepiarem ao ouvir o menor tom. As jovens que terminavam de secar o chão de madeira achavam que aquela voz não era humana, muito menos desse mundo.
- Capturar o traidor, Majestade. Traze-lo com vida.
- Exatamente. - O Imperador se agachou de frente para o homem, fazendo-o baixar ainda mais a cabeça, quase encostando a testa no chão. Yoongi inclinou a cabeça para o lado, como a um menino olhando um formigueiro pela primeira vez. - Então por que trouxeram um corpo para meu palácio ao invés de um prisioneiro?

- Eu pequei, Majestade. Misericór-

Ao erguer a cabeça para esfregar as mãos em súplica o Imperador desembainhou sua espada, tão rápido como um raio, cortando o pescoço do oficial como se corta tofu. Um corte limpo e reto, mas que devido ao ângulo espirrava sangue nas vestimentas imperiais e no rosto do Rei. O corpo já sem vida caiu de lado, ensopando o chão que acabara de ser limpo. As servas já curvadas no chão tremiam até o último fio de cabelo, temendo serem as próximas, se forçando a não olhar para a cena terrível, muito menos para o rosto sem emoção do Príncipe Demoníaco, que secava a espada imunda nas vestes já empapadas. A jovem mais próxima do cadáver chorava silenciosamente, se arrastando no chão lentamente para fugir do sangue que fluía para perto de si. Os únicos sons do ambiente sendo agora do gotejar pausado vindo da espada abaixada. Um suspiro longo e lento pôde ser ouvido.

- Ah... Suponho que sejam dois corpos agora. - As servas se encolheram ainda mais ao sentirem o olhar do monarca recair nelas. - Limpem isso.


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No distrito mais nobre de Hanyang havia uma mansão pertencente a uma família muito renomada: o Clã Choi. Famosos por possuírem uma extensa lista de conselheiros e membros poderosos do governo na história do país, os Choi eram da linhagem mais antiga da nação, e de longe a família mais respeitada logo depois da realeza. Lorde Choi Bonhwa era reconhecido por onde passava, sendo atualmente o conselheiro mais próximo do Imperador não era de se esperar menos, mas havia algo que chamava mais atenção à família do que esse fato. Bonhwa teve com sua esposa três filhas, e nenhum filho para dar continuidade à nobre linhagem. A maioria dos outros nobres consideram esse detalhe um defeito, mas curiosamente Lorde Choi exibia suas três meninas como as mais raras joias, e fazia questão de sempre levar uma delas consigo quando saía para passear pela cidade. Especialmente a mais nova, Soomin, seu maior tesouro, sua preferida. Lady Soomin era popular tanto entre as nobres mais velhas quanto entre as mais novas, cobiçada pelos rapazes de toda Hanyang, e um exemplo a ser usado entre os mais anciões.

Kingdom - DaechwitaOnde histórias criam vida. Descubra agora