Era só na aula quando a professora estava na sala que nós conversávamos. Imagino que ela via que eu não tinha amigos e quando percebeu que eu tinha feito uma amizade, só chegava de mansinho e falava para nós "pode conversar baixinho". Eu sempre gostei de fazer piadas e por minha família ser sempre bem humorada, acho que herdei esse dom. Gosto de ver as pessoas rindo. Gostava de fazer a Sofia rir. Nossas conversas eram longas no período de uma ou duas aulas, e na hora da prova, ela estudava comigo e eu sempre conseguia uma nota boa. Ela sempre teve um raciocínio inexplicável. Sofia é uma poesia sem lógica.
Mas no recreio, eu me perdia. Ela não tinha apenas eu de amiga como eu que apenas a tinha, então eu ia para a sala dos professores e comia iogurte com frutas que minha tia preparava para mim. Não era como uma troca de amizades, mas sim como um recado de "tenho mais amigas e preciso ficar com elas, se quiser junte-se a nós". Eu tentava Sofia. Eu juro que tentei. Mas eu não sou como eles e nem como você. Mas do mesmo jeito, era só bater o sinal que todos faziam cara de velório enquanto eu voltava toda contente por poder estar com uma amiga novamente. Ela também sorria.
Um dia, ela trocou todas elas por mim. Um dia de fazer dupla para resolver os exercícios, e esse foi o dia mais feliz da minha vida. Vi todos ao meu redor me odiando enquanto a minha primeira melhor amiga estava feliz com a minha companhia. Não queria que aquela aula acabasse. Mas como tudo na vida acaba, a aula se foi. Todos se foram se queimando de ódio pela escolha errada da Sofia de ter me escolhido. Mas eu me orgulhava. E naquele dia, meus materiais não entravam na mochila. Ela se abaixou e me ajudou. Eu nem sabia que isso de ajudar existia. E naquela hora eu chorava. Choro de alegria. Por que fui forte e venci a guerra tão invencível que é o desprezo e ganhei o melhor prêmio: uma pessoa. Obrigada Sofia.
E todos os dias começaram a ter uma lógica. O bombom começou a ter duas partes por eu ter alguém para dividir. Primeira vez que tinha uma irmã sem ser de mãe, mas de alma.
Fim de aula. Um cutucão no ombro. Quer ir na minha casa?
Quando disse para minha mãe, parecia que nem ela havia acreditado que eu tinha uma amiga. Ela deixou eu ir na casa da Sofia depois da aula e se surpreendeu ao lembrar que a mãe dela foi amiga da minha mãe de infância. Minha mãe disse que elas eram muito amigas e que eram péssimas em educação física. Meus pensamentos estavam a mil.
Quando cheguei, a Sofia me esperava no portão. Ela me abraçou e fomos jogar um jogo de cartas que gostávamos bastante. Nem deu muito tempo e minha mãe tinha aparecido lá. Tinha ódio por ela vir me buscar tão rápido. Mas hoje vejo que ela não queria que eu me machucasse. Perdão mãe.
Hoje em dia, sinto algo que não sei o que é. Sinto saudade mas não quero mais por perto. É como um nojo de um doce favorito.
Mas ainda não cheguei nessa parte da história e quero que todos encontrem a Sofia que existe em suas vidas. E se caso você for uma Sofia, tente mudar. E se for a Sofia, não chegue perto de mim.
No outro dia, o mesmo teatro. Mas eu desci para o recreio. Pior erro da minha vida.
Desci com a Sofia, sem ao menos entender o que estava acontecendo. Pessoas me olhando era normal, mas o que tanto falavam? Elas riam mas esse tipo de risada não era a mesma da qual eu gostava de causar.
E foi aí que surgiram apelidos. E eu corria deles, atravessava quadras, gritava no ouvido de cada professor surdo, mas os apelidos não saiam de mim.
E talvez isso quase ninguém saiba hoje, mas foi a única vez depois de ter conhecido a Sofia que chorei. E como doía. Eu suspeitava que ela ria também. Eu me senti completamente vazia. Chegava em casa e chorava no meu próprio colo me perguntando quando isso teria um fim. Vocês dormiam enquanto eu sonhava pesadelos. E um deles era a escola. Mas a Sofia não fazia parte dele. Não ainda.

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Sofia
ContoA vida tem regras básicas. E a principal delas é que não se deve magoar um poeta. A vida dá voltas e a poesia é quem faz o trajeto. Obrigada Sofia.