Capítulo 05 - Aristóteles, o gato sábio

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Alguns dias se passaram e Perséfone se mostrou minimamente amável comigo, conviver diariamente com ela tornou-se suportável. O que o senhor Ernie tinha falado sobre fazer cortes se cumpriu, alguns produtos menos essenciais começaram a faltar, gerando reclamações dos clientes. Porém, comecei a receber uma refeição diariamente, que infelizmente era sempre torta de cereja. 

O ponto alto da nossa semana foi quando uma grande feira foi anunciada na praça central, em comemoração ao aniversário da  rainha. Todos falavam sobre como estava bonito, decorado, sobre a animação e o baile real. Apesar do meu desejo de ir até lá, não tinha tempo e nem dinheiro. Era impossível não fazer comentários de vez em quando.

— Eu não sei como perdem tempo com essa coisa supérflua e sem cabimento — Perséfone falou após dois clientes saírem falando da feira. Estávamos organizando as prateleiras e jogando remédios sem validade em uma caixa para o lixo.

— Não é perda de tempo. É uma diversão para o povo, além de....

— De?

— Movimentar a economia e ajudar pequenos comerciantes que montam suas barracas.

Perséfone pensou um pouco e concordou, o que me fez sorrir com satisfação.

— Está sabendo do baile? 

— Esse sim é supérfluo, não serve nem pra vender tralha. Só os nobres e amigos da família real participam.

— Eu gostaria de entrar como penetra apenas para ver os vestidos, para meu futuro negócio. Devem ser maravilhosos. 

— Por que não pega o dinheiro, pede um dia de folga e vai logo ver essa maldita feira?

— Oh! Eu não poderia. Uma porcentagem do que ganho no primeiro ano é para minha mãe por ter me criado. Não posso desperdiçar

Os sinos da porta tocaram, e como o senhor Ernie estava ausente, Perséfone se afastou das prateleiras e foi para trás do balcão. Um senhor fez a compra de algumas ervas, vestia roupa engraçada e uma grande cartola, indicando que viera da feira. Enquanto empacotava suas compras muito lentamente comentava sobre as maravilhas que havia lá, Perséfone ouvia tudo sem disfarçar a cara de desgosto. Percebendo isso, ele desejou bom dia e se retirou. 

Minha mente passeou pela feira, pela rainha com sua bela coroa comemorando mais um ano e como seriam os salões reais luxuosos, damas e cavalheiros dançando por toda parte. Aproveitando que tinha saído do trabalho pesado, Perséfone ficou simplesmente atrás do balcão roendo as unhas; de repente deixou um palavrão escapar, me trazendo novamente para a pacata e triste vida que levava na loja.

— O que houve?

— Aquele velho tosco deixou todo o dinheiro dele aqui - respondeu me mostrando a carteira

— Temos que devolver.

— Eu não ligo. Vou deixar separado e ele pega quando voltar.

Vendo uma pequena desculpa para ir a feira, mesmo que por poucos minutos, resolvi investir naquele fato e convencer Perséfone. Ela abriu a carteira do velho e contou o dinheiro, soltando outro palavrão.

— E agora?

— Por um segundo tive esperanças de que tivesse dinheiro aqui para cobrir algum prejuízo da loja.

— Isso é horrível! Seria como roubar. 

— Eu não roubei, apenas não devolvi a quem esqueceu.

— De qualquer forma acho que o correto seria procurar o dono e devolver.

— Não mesmo!

Aproximei-me ligeira e apoiei meus braços sobre o balcão, inclinando levemente a cabeça e encarando Perséfone, que se afastou apertando os olhos.

A Sociedade Secreta dos Vilões Arrependidos | DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora