Cada passo dado era acompanhado de um suspiro desesperado. Sua pressa era de tamanha fúria e seus olhos doces diziam perdão pela forma grossa de andar. As mãos inquietas ajeitavam os cabelos ralos que esbarravam em seu rosto enquanto seu filho moço ficava na cozinha, reclamando do seu jeito severo de andar. Eu, pessoalmente, acho que ele não entende de passos nem de tempo. E o tempo passava.
Do quarto já dava para ter uma ideia da peça que iria começar em alguns instantes. Eis que vejo a figura mais amada de minha vida entrando sem cautela e esbarrando em cada beirada das estantes. Manifestava um olhar de dor pela batida, mas sua pressa era maior que seu cuidado. O desespero reinara no quarto enquanto um sorriso de graça brotava no canto do meu rosto. Segurei para não exibi-lo.
O conjunto de blusa verde e saia jeans combinava com a ocasião, mas da mesma maneira, cismava em perguntar "minha roupa está boa?". É claro que estava. Tudo ficava bom na minha moça que nunca envelhecia. A beirada de suas sapatilhas estavam desgastadas e, pelo que percebi, não havia nada de errado naquilo. Cismara que seus cabelos estavam bagunçados e pediu minha ajuda para arrumá-lo. Como poderia negar? Desenrolei os tantos fios que estavam entre o secador e a tomada, e liguei-o sem pressa, enquanto ela reclamava da minha calma. E o tempo dava risada.
Não posso dizer que arrumei, mas dei o meu melhor no tempo tão corrido para ela e tão calmo para mim. O tempo virou meu companheiro. E depois de algumas jogadas de fios e cabelos agarrados na escova, o resultado foi aprovado. Ela sorriu. E foi correr do tempo. Passou o primeiro perfume que seus olhos conseguiram distinguir e ainda comentou como gostava dele. Depois, olhou fixamente para o espelho e percebeu que estava sem seu batom forte. Ela dizia que dava um tom à sua pele. E na virada do corredor, eu a perdi de vista. Guardei o secador e joguei fora os fios caídos pelo chão. E em um tempo curto, bem curto, onde nem meu amigo Tempo conhecia, ouvi seu "tchau" acompanhado da batida da porta.
E foi aí que percebi que estava sozinha e dei gargalhada. Eu era feliz. E sou feliz. E imagino que nem aqui e nem lá longe, nunca irei encontrar, mesmo se eu procurar debaixo de alcatifas ou em outros céus noturnos, sei que nem a Lua e nem meu chão poderão trazer uma pessoa tão corrida e tão calma, tão desajeitada e tão arrumada, tão gente e tão amada como minha doce avó.
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Posso te contar uma história?
Short StoryÉ que ás vezes a poesia vira conto e não tem como escapar. Essa "obra" é feita de alguns contos que escrevi nas horas em que a inspiração chega de fininho e te pega de surpresa.