A Dança

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Era tarde, perto do meio dia, e o suor se espalhava pelos corpos, onde mosquitos atrevidos pousavam por instantes para então fugir espantados para as paredes rebocadas ou para os móveis que ornavam o pequeno aposento. Havia garrafas de cerveja espalhadas pelo chão, o lençol encardido estava preso ao colchão por apenas uma de suas beiradas, o restante se embrenhava no meio dos dois. 

O homem estava por cima, magro, alto, de pele curtida, avermelhada, fustigada pelo sol. Penetrava com força, quase violentamente, tentando descontar no ato as frustrações de uma vida sem perspectiva. Sua mão se agarrou ao seio negro com convicção, queria causar-lhe prazer e dor, uma mais que o outro. 

Pois ele sentia dor, não no momento, não naquele instante, mas via nela tudo que poderia ter sido em outras experiências ao longo de sua vida. Era um prazer estranho para ambos.

A mulher lhe cravou as unhas nas costas em uma altura próxima aos ombros. Eram grandes, resistentes e ferinas. Seus dentes muito brancos se crispavam devido à ferocidade com que seu parceiro conduzia o ato, ou pensava fazê-lo, pois era ela quem determinava a cadência do movimento com suas coxas poderosas. 

Haviam se conhecido na noite de sexta em um forró da região. 

Ele era de fora e sua estranheza, toda grave, atraiu-a como aleluia pela luz. Tímido, partiu dela a iniciativa do primeiro cortejo, as primeiras graças, um lançar de olhos abrasivo que lhe instigou desde o momento em que os fitou. Eram grandes e maviosos, a íris quase negra parecia engoli-lo. Ela se aproximou e riu gostosamente quando ele se ruborizou, a boca pequena se contraindo e se escondendo ainda mais debaixo de um bigode antigo. Ele a tomou nos braços com a coragem de um duelista, sentindo a firmeza dos músculos daquela mulher e então afundou o nariz no pescoço magro, buscando o perfume capitoso, uma infusão entorpecente de hormônios e essências silvestres. Dançaram juntos e juntos passaram todo o final de semana, emaranhados em abraços estafantes entrecortados por descansos em busca de refresco debaixo do teto de zinco fustigante. 

Da pista do bar direto à cama, de onde mal saíram, fazendo-o apenas para se limpar de quando em quando com os baldes de água retirada de uma torneira no meio do quintal ou para se aliviarem no banheiro do lado de fora da casa. 

Saneamento básico era um luxo inexistente naquele bairro. Chuveiro elétrico um sonho. 

O homem acelerou o movimento, soltando um gemido contínuo, longo, de bicho. Ao cabo de alguns tantos minutos, diminuiu até parar. Do jeito que estava, firmou os braços na cabeceira da cama e se ergueu. Vestiu a calça e foi até a cozinha, deixando-a sozinha.

Havia pouca coisa no cômodo que era mais um adendo da sala que qualquer coisa. Uma panela de arroz começando a azedar enfeitava o fogão encarquilhado, de onde uma mangueira curta brotava para terminar em um pequeno botijão de gás, oculto por um pano de um colorido desbotado, uma pia abarrotada de pratos sujos e uma mesa bamba encostada na parede. Ele tirou uma caneca do meio da pilha de pratos sujos e encheu com água de um balde. Colocou-a no fogão, acendendo-o com o isqueiro que tirou do bolso. Depois, pegou uma cafeteira sobre a mesa e despejou seu conteúdo na pia. Pegou o coador, o pó e esperou a água ferver.

Enquanto esperava, voltou ao quarto. O lugar rescendia a sexo.  Encontrou-a deitada quase na mesma posição, parcialmente oculta pelas sombras frágeis das janelas fechadas, o corpo de pele escura era bem definido, magro e forte de quem trabalha com afinco. "Bonita" pensou, apertando-lhe uma das coxas com avidez. Sentou-se na cama e calçou as botas. 

Ela se levantou, ainda nua, e sumiu além da porta. Ele se deixou admirá-la enquanto passava e depois terminou o que estava fazendo, perdido em pensamentos. Voltou à cozinha e despejou a água fervente na garrafa sobre o coador cheio de pó.

O Filho de OgumOnde histórias criam vida. Descubra agora