MANIPULAÇÃO

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Não sou um bom filho

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Não sou um bom filho.

Foi o que minha mãe me disse. Acreditei por muito tempo que estava estragando sua vida, ela me disse que eu havia matado o meu pai e agora estava lhe matando lentamente. Disse que eu era corrosivo.

Desde então, eu moro sozinho e fico sozinho a maior parte do tempo. Não me importo muito, na verdade, mas às vezes sinto que estou preso em um buraco que não consigo sair. Como se eu fosse um prisioneiro da minha própria solidão. Escravo das consequências dos meus atos.

Eu decidi fazer tudo que queria, já que não tinha ninguém para reclamar. Não tinha nenhuma vida além da minha para estragar.

Pintei o teto do meu quarto de vermelho, minha cor favorita. Vermelho tem cheiro metálico, gosto de amor. É a cor mais quente que existe.

Quando eu era jovem, criança ainda, pintei uma folha inteira do meu caderno de vermelho. Ficou tão lindo, brilhava no sol, tão lindo. Meu cachorro Tob me ajudou, ele era um ótimo pintor. Por muito tempo foi o único que me ajudou a lidar com a solidão.

Até que eu percebi que ele não respirava mais.

Quando contei para mamãe, ela chorou. Mais tarde, vi Tob dentro de uma sacola, imóvel. Se eu soubesse que ele gostava de lugares pequenos, teria brincando com ele antes de ele sumir.

Naquela época, eu ainda não entendia a morte.

Minha mãe teve que me explicar que os mortos não voltam mais, que eles descansam eternamente. Aquela foi a primeira noite em que ela não me colocou na cama, tive que ir sozinho. Ela deve ter achado que eu era grande o suficiente pra ter pena de mim mesmo, agora que já sabia o significado da morte.

Mas era como se ela estivesse com medo de mim.

Durante minha adolescência, aceitei ser manipulado diariamente. Com a morte de meu pai, ela ficou amarga e distante, era como se estivesse me mantendo em casa apenas por obrigação. Estava sempre ocupada, sempre sem tempo, sempre atrasada. Ela havia se tornado uma mulher melancólica.

Lembro de ter pensado que ela iria envelhecer, seu cérebro iria envelhecer, e se nós fôssemos sortudos, ela desenvolveria o mal de alzheimer. Dessa forma, nós dois poderíamos esquecer que eu destruí sua vida. Eu cuidaria de minha mãe, ela nunca estaria sozinha, nem eu.

Mas a vida raramente é justa. Ela nunca esqueceu. Nunca me esqueceu.

Nunca teve tempo para isso. Penso que até os dias de hoje ela deve deitar sua cabeça no travesseiro e lembrar da única falha que teve com papai.

Quando você é fraco, acredita em tudo que os mais fortes lhe dizem. Aprendi tarde demais que o nome disso era manipulação. Ma-ni-pu-la-ção, soa como se sua língua estivesse dançando ao falar. É quando o seu cérebro é controlado por outro alguém. Quando você vira o fantoche dessa pessoa.

Por tanto tempo acreditei ser o vilão na vida de minha mãe, e não percebi que era ela quem estava me destruindo, me forçando a acreditar que eu não valia a pena, que eu era um monstro, um verme.

Fui visitá-la. Levei objetos brilhantes, pois sabia como ela gostava; colares de pérolas, anéis de diamantes e coleções de facas impecáveis.

Minha mãe era a imagem perfeita de uma dona de casa dos anos cinquenta. Às vezes eu a olhava e conseguia ver seus curtos cabelos presos, os vestidos longos até o calcanhar, pano de prato em mãos. Linda. Estragada pelo vilão de todas as histórias: o tempo.

Ela não gostou de minha visita, quase cuspiu em minha cara, mas eu acho que é assim que mães tratam seus filhos quando preferiam ter abortado. Nós conversamos.

Minha mãe era sempre ocupada. Estava cansada, velhinha. Ela merecia o universo.

Eu lhe dei um descanso eterno àquela noite.

Coloquei-a na cama, como há tempos ela não fazia comigo, e fiquei observando os detalhes de seu rosto por algum tempo. Ela não parecia um monstro quando não estava acordada. Dei um beijo em sua testa.

Esperava que ela pudesse entender minha fascinação por vermelho agora, a cor do amor. Eu havia pintado toda a sua roupa de amor.

Naquela noite observei o céu. Em minha visão estava a lua, amante da Terra, iluminada pelo Sol, mãe dos planetas. Destruidor de suas criações.

Quando pais estão fadados a matar seus filhos, não devem ficar surpresos quando seus filhos decidem matá-los primeiro.

Quando pais estão fadados a matar seus filhos, não devem ficar surpresos quando seus filhos decidem matá-los primeiro

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