Flotsam

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— Não! Nós não precisamos de música. Já temos o suficiente dessa conversa fiada de malditos bardos! — Os gritos ecoavam pelo centro da pequena cidade. Os transeuntes os olhavam de forma nada discreta, e cochichavam com ainda menos discrição. — E você, senhor bruxo — o homem apontou o dedo gordo sujo de gordura de porco para o lado. — Só receberá mordomias quando cumprir com o contrato. Não confiamos em seu tipo, muito menos no de seu amigo aqui, então, procurem outro lugar para dormir e farrear, pois minha pousada está de portas fechadas para os dois!

Marty Beaver, o dono da pousada de Flotsam, crispou os lábios e cuspiu no chão, ao lado das botas de Geralt, que permaneceu inalterado, com o ombro encostado na parede e os braços cruzados. A porta de entrada do local foi fechada com força, e o som do baque se misturou com as reclamações de Jaskier, que tinha expressões e respostas o suficiente para ambos.

O bruxo respirou fundo enquanto o via pisar fundo na grama mal cortada. Tentando juntar um pouco de paciência, levantou o rosto para encarar a placa da pousada que também funcionava como uma taberna. A imagem de um homem gordo montado em um barril enquanto segurava um caneco de cerveja quase o divertia, porém, era difícil tirar o péssimo humor que sentia, que vinha com uma imensa vontade de agarrar o pescoço do escandaloso Jaskier. Ele sabia que aquilo iria acontecer, porém, não tinham outra opção além de arriscar pedir um adiantamento para aquele contrato, que seria usado para alugarem ao menos um quarto e duas refeições. Mas nada deu certo, pois não havia garantia de sucesso, e ali não eram tão apegados a cultura, ou seja, não davam a mínima para um bardo famoso.

— Mas que absurdo! — Jaskier exclamou enquanto sacudia as mãos na direção da porta fechada. — Uma tremenda falta de respeito, se quer saber o que penso...

As sobrancelhas do bruxo se juntaram e os braços foram soltos quando voltou a olhá-lo. A pouca paciência se foi, e antes que o bardo pudesse tocar na maçaneta, como mostrava que pretendia, ele o segurou pelo colarinho e o puxou para trás.

— Não, não quero saber o que pensa — Geralt rugiu. — Ninguém quer saber o que se passa na sua maldita cabeça, Jaskier, então fique quieto pelo menos por um segundo!

Ele não podia mais ouvi-lo há algum tempo, mas aguentou até ali, crente de que a raiva passaria e eles dariam um jeito de descansar por algumas horas, ainda que não fosse sobre uma cama confortável ou de barriga cheia, como já esperava, porém, a falta de noção do bardo não tinha limites e ainda conseguia surpreendê-lo.

— Como ousa, Geralt? — Jaskier se debateu, até que escorregasse das mãos firmes do bruxo. Os olhos se tornaram sérios, mas no fundo, estava magoado e também se sentia culpado, por isso, a pergunta foi a única coisa que saiu por seus lábios quando encarou a íris amarela que o acusava em silêncio.

O bruxo não conseguiu um bônus com Danri Daihan, mas a última refeição em Vergen fora por conta do dono do Caldeirão, o que os deixou com uma pequena folga para a próxima parada, onde a comida era boa, na pequena taberna, mas a bebida era ainda melhor, assim como a música, as mulheres, os homens... Jaskier se agradou com tudo e todos, e se afundou na farra por toda a noite, sendo encontrado no dia seguinte, sujo pelo próprio vômito e sem uma única moeda no bolso. O bardo jurou que poderia ter sido roubado enquanto estava desacordado, mas quando o furioso Geralt checou no balcão da taberna, soube que todo o dinheiro havia sido gasto com bebidas e partidas de gwent. Se fosse apenas o dinheiro de Jaskier, ele o advertiria, com a preocupação de alguém que se importava com seu bem-estar, porém, aquele não era o caso. Os bolsos do bruxo também precisaram ser esvaziados quando soube que a conta deixada por Jaskier era maior do que ele sozinho poderia pagar, deixando-os de mãos vazias para finalmente chegar em Flotsam.

— Berrar o seu descontentamento não vai adiantar de nada — Geralt o lembrou enquanto empurrava suas costas para longe da pousada. — E se lembre de quem é a culpa por estarmos sem dinheiro.

De Kaer Morhen à Kaer TroldeOnde histórias criam vida. Descubra agora