O início do fim

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ANO 300 APÓS A GRANDE QUEDA

Se toda segunda-feira fosse como hoje creio que a maioria dos cidadãos mais velhos de Creta iriam preferir voltar aos velhos tempos. Hoje é vinte e cinco de abril, o dia dos reis, está data é comemorada no vigésimo quinto ano de reinado do rei atuante. É uma festa grandiosa, reúne a realeza de todo país, os jovens vão para rua e fazem muito barulho, em geral os mais velhos não gostam e preferem o silencio de suas fazendas, o que não é errado e o rei parece não se importar, meu tio diz que ele não é tão egocêntrico quanto os outros.
A festa que aconteceria hoje a noite seria a maior que já vi em toda minha vida, muita comida e bebida estariam à disposição dos convidados do rei, os mesmos estão a caminho vindo de todos os outros reinos de nossa região. Nossa região esta localizada na fenda número cinco e possui grandes riquezas minerais, localizadas principalmente no reino de Aspen.

Meu tio é Caleb, ministro geral do rei, sinceramente não sei bem ao certo como ele chegou nesta posição, só sei que nossa família serve diretamente aos reis a muito tempo.
-Mar, está divagando novamente. – Diz Cassandra enquanto me analisa com seus olhos azuis, ela é apenas dois anos mais nova do que eu e nos conhecemos desde que éramos crianças, ela é a destinada ao trono, filha do rei Sthefan e da rainha Marian, é a primogênita.
A amizade de seu pai e do meu tio me permitiu viver bem próximo a este mundo real, e me tornaram responsável por ensinar sobre a história antiga para ela, afinal uma boa governante precisa conhecer bem seu passado para saber como encarar o futuro. Porém, após tantos anos acabamos por nos tornar amigas. 
-Desculpe alteza, hoje estou um pouco distraída. Onde estávamos? – Pergunto dando um sorriso em agradecimento ao seu.
-Você estava me contando um pouco mais sobre os velhos tempos e os poderosos.
-É verdade, bom, então vamos continuar. Muito tempo antes de nosso reino ser erguido o mundo era dividido de formas diferentes, nossos reinos eram chamados países e não possuíam reis ou rainhas, os governantes eram chamados de presidentes. Eles viveram bem por muito tempo, apesar das guerras e das dificuldades. Porém, com a e volução da espécie humana uma mutação foi encontrada no DNA de muitas pessoas.
-Então foi assim que eles surgiram. – Concluiu ela.
-Sim, essa mutação aflorou as habilidades que os humanos já tinham e criou algumas que nem podemos imaginar.
-Levitação! – Exclamou ela animada.
-Sim e isso era apenas uma pontinha do que podiam fazer, meu tio me disse que existiam pessoas capazes de controlar mentes e de viajar através do tempo e espaço. – Era impossível não se animar com a nossa história, poderosos andaram pela terra e nós nem podemos imaginar como foi. Mas a história não é tão boa quanto gostaríamos que fosse.
-Infelizmente com o passar dos anos a rivalidade entre humanos e poderosos só aumentou e uma guerra foi instaurada, de um lado humanos com armas e tecnologia, do outro poderosos com suas habilidades.
-Meu pai sempre me diz como temos que ser gratos pelo que aconteceu e como a guerra moldou pessoas mais fortes que foram capazes de se reerguer.
-Ele não está errado alteza, houve muitas perdas e só vivemos em paz graças a grande queda.
A Grande Queda foi um período de trevas para o mundo, porém foi ao mesmo tempo sua salvação. Os poderosos chegaram ao governo muito rápido, escravizando humanos e os fazendo de gato e sapato, não tinham piedade e não se importavam com as consequências de seus atos. Nossa salvação se iniciou com apenas um homem, Tadeus, ancestral da princesa Cassandra.
Após mais de trinta anos no poder os poderosos começaram a temer aos humanos, novas armas estavam surgindo e foi a trezentos anos atrás que os poderosos foram extintos, um soro capaz de eliminar qualquer mutação foi criado e o nosso primeiro rei coroado e desde então vivemos em paz. Por um tempo existiram boatos de que a história não era bem assim e de que os poderosos ainda andam ao nosso lado a espreita, esperando por uma chance de voltarem ao poder. Porém não acredito nisso, afinal todos os anos somos testados.
**
Após finalizar a aula com a princesa me dirijo ao salão central para me encontrar com meu tio. O castelo é tão lindo por dentro quanto é por fora, suas paredes retratam a história de Creta, desde seu nascimento ate os dias atuais. Foram longos anos até nos tornarmos a referência que somos, nosso reino sempre sofreu com preconceitos por ser o menor entre os Sete. Porém somos os melhores em construir e os mais inteligentes, afinal são nossas armas que levam o reino maior para guerra.
Guerra, outra guerra está acontecendo, não tão brutal quanto a outra, mas tão destrutiva quanto. A Guerra das Sete Fendas acontece há mais de vinte anos.
Existem sete fendas no mundo capazes de interligar todas as regiões, as fendas foram criadas a muito tempo atrás por um poderoso que possuía a habilidade de abrir portais para qualquer lugar que ele quisesse, após a Grande Queda elas foram mantidas para que o acesso a  outras regiões não se perdesse. Atualmente algumas regiões estão em declínio com falta de suprimentos para manter a população e por isso seus povos desejam se mudar para as demais, porém os reis não querem permitir alegando que isto poderia implicar no fim de seus próprios reinos. Por isso a Guerra foi instaurada, para evitar invasões, o rei alega que é o melhor a se fazer para garantir nossa existência e por isso qualquer pessoa comum é proibida de passar pelas fendas.
-Mar, querida, estava a sua espera. – Diz ele me saudando com um abraço bem apertado.
-Tio! Em que posso ser útil? – Digo sorrindo para ele, que me responde com outro belo sorriso, ele se parece muito com minha mãe, os olhos verdes e o cabelo castanho o dão um ar único e uma beleza inigualável, assim como a de minha mãe. Pensar nela faz com que cada parte de meu coração queira se quebrar, vivi tão pouco a seu lado que as vezes tenho a impressão de que nem me lembro mais daqueles belos dias em nossa casa.
-Hoje a noite teremos nosso grande baile do rei – diz ele extremamente animado – e o rei me deu o prazer de ser confidente de seu segredo.
-Ora, ora, será que também serei honrada de saber qual é? – digo em tom de curiosidade.
-Claro que sim, afinal você conhece a filha do rei a muito tempo e ele deseja sua ajuda. Ele pediu para que se encontre com ele hoje após o por do sol.
-Será que o dia chegou? – digo com um tom de voz um pouco mais apreensivo do que desejava.
-Creio que sim querida. – diz ele em tom ameno. O grande dia de Cassandra ser coroada rainha de Creta, mas para isso ela precisava estar casada, e se este dia estava chegando isso significaria grandes discussões entre o rei e sua filha. Ela não aceitava o fato de que precisava estar ao lado de um homem que mal conhecia para poder reinar, ela desejava mudar isto, mas apenas o rei tinha esse poder e seu pai não estava nenhum pouco disposto a isso.

Faltavam apenas algumas horas para o baile e eu já me encontrava pronta, um lindo vestido azul e alguns poucos acessórios faziam parte da composição. Eu já estava a caminho da sala real para me encontrar com o rei, eu já tenho certa ideia do que ele diria e ainda estou pensando em que poderia ser útil.
Passei pelo corredor dos antigos reis e me peguei pensando o que escreveriam abaixo do nome de nosso atual rei, seu pai e antecessor possuía as palavras Honra e Glória destacadas.
-Majestade. – Digo enquanto entro na sala e faço uma reverencia.
-Mar! Sempre pontual minha jovem. – Diz ele fazendo um cumprimento leve com a cabeça.
- O máximo possível alteza.
-Bom, não irei tomar muito de seu tempo. Como sabe para que Cassandra seja rainha ela precisa estar casada, mas minha filha acredita que isto é uma regra tola.
-Sim alteza, em muitas de nossas conversas ela se diz irredutível ao fato de que não irá se casar com uma pessoa escolhida apenas por meros jogos da realeza.
- Sim... ela é como a mãe, determinada, porém não posso mudar algo criado por nossos antigos reis, eles nos disseram que é o melhor.
-Entendo.
-Gostaria que conversasse com ela, me ajudasse a fazê-la entender que é o certo, sei que são amigas. – Diz ele em um tom um tanto quanto triste e ele estava certo, éramos amigas, ela já havia até me confiado sobre um garoto que conheceu em uma de suas viagens pela Região.
-Claro Alteza, farei o que estiver a meu alcance. – Digo assentindo com a cabeça, nós dois sabemos que isso seria difícil, mas Cassandra não tinha muita escolha e no fim sei que fará a escolha correta.
-Mar, gostaria de pedir mais uma coisa, quando eu não estiver aqui não abandone Cassandra, seja para ela como seu tio foi para mim. – Diz ele em um tom um pouco preocupado.
-Claro que não alteza, sempre farei o que puder por ela, assim como meu tio fez por vossa majestade.
-Espero que sim querida. – Diz ele um pouco mais aliviado. – Mas agora temos que ir, o baile já vai começar.
Faço uma reverencia e me viro para me retirar do local, fico imaginando como será a reação de Cassandra quando souber desta nossa conversa, é impossível esconder algo dela, sempre sabe quando estou mentindo. A princesa lembra muito sua mãe, a rainha Marian que faleceu a quase dez anos. Ambas foram dotadas de um belo par de olhos azuis e de lindos cabelos pretos, não é de se estranhar que o rei nunca teve olhos para outra, queria eu ter uma beleza assim, mas me contento com meus cabelos ruivos e meus olhos escuros, tão escuros quanto a noite, era assim que meu pai os caracterizava.
Sinto muita saudade dos meus pais, infelizmente o destino decidiu que eu ficaria sozinha muito cedo, eu tinha apenas oito anos quando eles se foram, meu pai era um general e morreu defendendo este reino, minha mãe não aguentou ficar sem seu grande amor e um dia simplesmente não acordou mais, creio que seu coração foi partido tão profundamente que parou. Desde então vivo com meu tio, por sua amizade com o rei temos direito a moradia no castelo, não posso reclamar, mas ainda sinto que me falta algo.
Quando mais nova treinei ao lado de meu tio por indicação direta do rei, ele disse que como professora da princesa eu precisaria sempre estar pronta para defendê-la e assim o fiz, aprendi a empunhar uma espada antes mesmo de entender “completamente” sobre nossa história.

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