Capítulo 3

4 0 0
                                    

- Quer dizer então que até futuros padres comem um simples x-calabresa - disse ela sorrindo, enquanto me via morder um pedaço do lanche.

- Quando se entra num seminário ou quando se é um seminarista, possivelmente o mesmo com as freiras, você nota que no fim, são todos tão seres-humanos quanto qualquer outra pessoa, com seus medos e anseios. Apenas devotamos nossa vida a Deus de forma mais direta.

- E o que você acha que Deus acha das outras pessoas?

- Como assim?

- Eu não sou religiosa. Não sei nem o que eu quero da minha vida e ás vezes, me questiono até mesmo se Deus existe, vejo tantas coisas no mundo, que me pergunto onde está Deus ás vezes. - ela disse com um tom tristonho.

- Deus está nessas situações e pessoas. Ele não interfere em nosso livre arbítrio, mas está com aqueles que sofrem. Deus é o pobre e o sofrimento também.

- Quer dizer então que a gente nasce para sofrer e isso tem que ser considerado obra de Deus? Tem algum sentido isso? Sei que você é religioso, mas... são nesses devaneios que me perco vez ou outra.

- Eu não tenho uma resposta para essa pergunta. Por vezes, já duvidei da existência de Deus, mas tenho visto que sim, Ele existe e tudo que faz, é observar a sua criação.

- E por que só observar?

- Que pai não ensina os filhos apenas olhando e raramente intervindo?

- Boa resposta, mas não sei se me dei por convencida

- Não quero evangelizar ninguém agora, só comer esse x-calabresa mesmo, como mero humano que sou - eu disse sorrindo e comendo.

- Justo

Ela então me olhou enquanto comia e por um segundo, me senti penetrado pelo olhar dela.  Fiquei sem jeito.

- Então, o que queria conversar?

-  Isso depende.

- Não entendi.

- Com quem estou falando agora? Com o seminarista João ou com o João apenas?

- Os  dois são a mesma pessoa.

- Você é só um ser-humano, acho justo. Mas você é ao mesmo tempo, um representante de Deus e as pessoas te veem como não um simples humano, mas alguém quase que divinizado.

- Eles não sabem do erro que cometem

- Ainda assim o cometem e é assim que as coisas são. Com quem falo agora? Seminarista João, ou João?

- João.

- Que bom. Gosto de conhecer as pessoas por quem elas são em essência mesmo.

- E você? É algum tipo de heroína?

- Eu? Não. Eu sim sou uma mera mortal. - ela disse, sorrindo.

A conversa continuou fluindo. Não pude deixar de notar o quanto ambos nos sentíamos a vontade com o outro. Enquanto conversávamos, a sensação era de que há muito tempo nos conhecíamos e até então, eu nunca tivera tão forte e intensa conexão com alguém em toda minha vida. Até que teve o momento que parte de mim amaldiçoa até hoje e a outra parte... revive os prazeres e alegria desse momento, foi quando num gesto involuntário, típico de quem se sente próximo a pessoa com quem está conversando, ela tocou o meu braço e eu pude sentir o toque da pele dela... Senti um arrepio até a espinha. Era suave e frio, ao mesmo tempo em que era preciso. Foi exatamente nesse momento que me apaixonei. Foi exatamente nesse momento que eu sabia que minha vida mudaria.

Perdi a hora, quando dei por mim, já se passaram dez minutos da hora em que eu deveria estar na igreja e fui correndo. Ela me acompanhou até a porta da igreja e então se despediu. Foi embora sem olhar para trás... até que ela olhou e no mesmo segundo, nossos olhares se cruzaram e sabíamos o que estaria prestes a acontecer... Eu só não sabia como recusar, ou mesmo se eu deveria.

Que Deus tenha misericórdia de mim e possa me perdoar pelos meus pecados...

Os Pecados da SalvaçãoWhere stories live. Discover now