- Quer dizer então que até futuros padres comem um simples x-calabresa - disse ela sorrindo, enquanto me via morder um pedaço do lanche.
- Quando se entra num seminário ou quando se é um seminarista, possivelmente o mesmo com as freiras, você nota que no fim, são todos tão seres-humanos quanto qualquer outra pessoa, com seus medos e anseios. Apenas devotamos nossa vida a Deus de forma mais direta.
- E o que você acha que Deus acha das outras pessoas?
- Como assim?
- Eu não sou religiosa. Não sei nem o que eu quero da minha vida e ás vezes, me questiono até mesmo se Deus existe, vejo tantas coisas no mundo, que me pergunto onde está Deus ás vezes. - ela disse com um tom tristonho.
- Deus está nessas situações e pessoas. Ele não interfere em nosso livre arbítrio, mas está com aqueles que sofrem. Deus é o pobre e o sofrimento também.
- Quer dizer então que a gente nasce para sofrer e isso tem que ser considerado obra de Deus? Tem algum sentido isso? Sei que você é religioso, mas... são nesses devaneios que me perco vez ou outra.
- Eu não tenho uma resposta para essa pergunta. Por vezes, já duvidei da existência de Deus, mas tenho visto que sim, Ele existe e tudo que faz, é observar a sua criação.
- E por que só observar?
- Que pai não ensina os filhos apenas olhando e raramente intervindo?
- Boa resposta, mas não sei se me dei por convencida
- Não quero evangelizar ninguém agora, só comer esse x-calabresa mesmo, como mero humano que sou - eu disse sorrindo e comendo.
- Justo
Ela então me olhou enquanto comia e por um segundo, me senti penetrado pelo olhar dela. Fiquei sem jeito.
- Então, o que queria conversar?
- Isso depende.
- Não entendi.
- Com quem estou falando agora? Com o seminarista João ou com o João apenas?
- Os dois são a mesma pessoa.
- Você é só um ser-humano, acho justo. Mas você é ao mesmo tempo, um representante de Deus e as pessoas te veem como não um simples humano, mas alguém quase que divinizado.
- Eles não sabem do erro que cometem
- Ainda assim o cometem e é assim que as coisas são. Com quem falo agora? Seminarista João, ou João?
- João.
- Que bom. Gosto de conhecer as pessoas por quem elas são em essência mesmo.
- E você? É algum tipo de heroína?
- Eu? Não. Eu sim sou uma mera mortal. - ela disse, sorrindo.
A conversa continuou fluindo. Não pude deixar de notar o quanto ambos nos sentíamos a vontade com o outro. Enquanto conversávamos, a sensação era de que há muito tempo nos conhecíamos e até então, eu nunca tivera tão forte e intensa conexão com alguém em toda minha vida. Até que teve o momento que parte de mim amaldiçoa até hoje e a outra parte... revive os prazeres e alegria desse momento, foi quando num gesto involuntário, típico de quem se sente próximo a pessoa com quem está conversando, ela tocou o meu braço e eu pude sentir o toque da pele dela... Senti um arrepio até a espinha. Era suave e frio, ao mesmo tempo em que era preciso. Foi exatamente nesse momento que me apaixonei. Foi exatamente nesse momento que eu sabia que minha vida mudaria.
Perdi a hora, quando dei por mim, já se passaram dez minutos da hora em que eu deveria estar na igreja e fui correndo. Ela me acompanhou até a porta da igreja e então se despediu. Foi embora sem olhar para trás... até que ela olhou e no mesmo segundo, nossos olhares se cruzaram e sabíamos o que estaria prestes a acontecer... Eu só não sabia como recusar, ou mesmo se eu deveria.
Que Deus tenha misericórdia de mim e possa me perdoar pelos meus pecados...
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Os Pecados da Salvação
Mystery / ThrillerDom João Evangelista recebe uma carta que mudaria sua vida para sempre, treze dias após sua ordenação como bispo da igreja católica. Carta essa, que contém informações que poderiam lhe trazer a ruína e, a fim de salvar tudo o que acabara de conquist...