Capítulo 4

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Sem precisar ir para casa e me arrumar, continuei sentado no mesmo banco de madeira até depois do sol se pôr. Fui até um quiosque, onde jantei um prato leve. Senti olhares em minha direção. Abri um pequeno sorriso, enquanto degustava da comida simples e saborosa; era possível sentir de longe o desejo das nativas de Bora Bora e suas turistas em mim. Mas eu já tinha planos para hoje.

  Depois de pagar a conta e comer uma folha de hortelã dada de cortesia pelo serviço do quiosque, voltei a caminhar pela praia, agora completamente deserta. Rumei com uma única direção em minha cabeça. A sacada indicada por Nicole.   

Olhei em meu relógio e vi o ponteiro menor na casa de número 1 e o maior na casa 6. Uma e meia da madrugada; era bom o tal John estar dormindo, pois alguns de seus seguranças com certeza estariam.

  Agilmente escalei a parte do muro de pedra que era ponto cego para as câmeras e seguranças; sequer me cortei com os cacos de vidro colocados porcamente no topo do muro.

  Sem fazer o menor barulho, cheguei à sacada do quarto de Jones, olhei para os lados e vi que os seguranças conversavam sentados em cadeiras de frente para uma mesa, onde bebiam cerveja e jogavam baralho. Quão difícil é driblar homens embriagados? Eu poderia tocar a campainha e entrar pela porta da frente.

  Deixo-os para trás, já que não eram o meu alvo da noite, e me viro para a porta-balcão aberta – outro erro – com as cortinas esvoaçando para fora. Me aproximo silenciosamente e, pelo canto da janela, vejo Nicole dormindo serenamente em sua enorme cama dossel.

  Sem nada me impedindo de entrar, como se eu fosse convidado, entrei no quarto branco, com móveis de madeira pintados em azul. Do canto aonde eu havia entrado, vejo ao lado o outro par de porta-balcão abertos. Havia também, do outro lado do aposento, uma porta que provavelmente levaria ao corredor, e outra ao banheiro. Um enorme armário, provavelmente nada grande, comparado ao que ela tinha na mansão da Espanha, estava encostado próximo a mim. Uma mesa do outro lado do quarto servia de apoio para somente alguns papéis e frascos. Nenhuma tecnologia. Ao menos nisso haviam pensado.

  Me aproximo para perto da cama onde Nicole dormia serenamente e fico vendo seu corpo se mexer lentamente, de acordo com sua respiração, um sinal de que estava viva. Quantas vezes vi corpos assim pararem de se mexer no longo dos meus anos ativo? Milhares.

  Prestei mais atenção na mulher deitada. Ela vestia uma camisola de algodão branca e seus cabelos foram presos de qualquer maneira por um fino elástico da cor de suas madeixas. Parecia diferente de todas as outras mulheres milionárias que eu havia executado. Nada nela berrava riqueza, arrogância ou culpa. Sua expressão era tranquila, como se ainda fosse tranquila. Como se nunca soubesse o que era ter pesadelo. Como se não estivesse preocupada com um assassino em busca de sua cabeça.

  Ela abraçava um dos travesseiros e continha uma perna coberta pelo edredom de qualidade, e outra descoberta. Inclinei a cabeça, analisando toda a extensão de sua pele exposta. As pernas bronzeadas e também a parte das costas. Sem perceber, eu passava a língua pelos lábios, como se estivesse sedento por ela.

  Dou alguns passos para trás e me encosto na parede ao lado da porta. Encosto meu ouvido e presto atenção no som por detrás da parede. Uma televisão ligada, provavelmente esquecida. Ainda com o ouvido grudado, levo a mão à fechadura, virando a chave de forma lenta e delicada, como sempre costumei fazer. A diferença é que, neste caso, eu trancava a porta.

  Volto a caminhar para próximo à cama, acabando com qualquer espaço entre eu e o móvel. Observo mais um pouco de Nicole, que agora abrira a boca, soltando um ressoar que nem podia ser chamado de ronco. Admiro a visão que, admito, ser bela. Ela era uma bela mulher. Sua ficha não fizera nem um pouco jus à sua beleza. Não que a aparência de uma pessoa mudasse minha opinião sobre mata-la ou não. Eu ainda mataria Nicole. Só não hoje. Hoje, ficarei aqui, observando seu corpo vivo descansar uma última noite, pensando em como, em qualquer outra situação, eu a mataria somente por me fazer acha-la uma beldade.

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