Enfrentando os medos

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Por causa da pandemia, era uma obrigação minha ficar em casa, por isso não tinha muito o que fazer. Já estava ficando maluco com a rotina. Não queria mais viver daquele jeito, estava mais preso do que nunca. Desesperado com a situação, tomei o café sem falar um A com a Solidão. Estava inquieto e ela percebeu isso.

- Por que está tão inquieto?

- Porque não aguento mais essa vida. 

- Eu sei muito bem o que está te agoniando. Não é rotina, e muito menos a quarentena.- E o que é então sabichona? - desafie ela.

- Você só pensa nela, você não consegue deixar de pensar nela.

- Ela? De quem você está falando? 

Solidão sorriu e então tomou um pouco de café, antes de responder.

- Você sabe de quem estou falando. Pra quem era aquelas poesias? Eu sei que você ainda sofre por essa garota.

- Quem te deu autorização de ler minhas poesias? - perguntei, bravo.

- Me desculpe, mas sou curiosa. Voltando ao assunto... quero te ajudar.

- Ajudar como?

- Eu vou te fazer enxergar o que você não quer ver. No momento não entendi e também não coloquei fé. Como ela faria isso, sendo que não conhecia nem a pessoa pela qual me fez sofrer. Sem dizer nada, Solidão se levantou, dando uma última mordida no pão e então foi até a sala, pegando da minha gaveta as poesias. Fui até ela, apavorado por estar com minhas poesias na mão.- Não estou gostando nada de sua ousadia.

- Você escreveu uma lista para esquecer essa garota. Mas eu sei que tudo isso ficaria na teoria, caso não estivesse aqui.

- E por que acha isso?

- Não quero dizer mais nada, apenas se troque que vamos sair.

 - Sair? Pra onde? - perguntei, assustado.

- Só me acompanha, por favor. Mesmo sem saber para onde ir, troquei de roupa e acompanhei solidão que ainda estava com seu vestido. Teria que comprar algumas roupas para ela, a coitada não aguentava mais esse vestido. Andamos pelas ruas de São Paulo por alguns metros e então Solidão parou em uma praça.

- Qual o lugar que vocês se conheceram? 

A pergunta de Solidão me deixou um pouco desconfortável. Ela estava levando a sério a missão de fazer com que eu superasse da minha decepção amorosa.

- Realmente você acha que isso vai adiantar em alguma coisa?

- Eu quero que você entenda uma coisa: estou fazendo isso não é para você esquecer dela, apenas quero que você enxergue o que nunca conseguiu ver.

- Ok. Você que sabe, mas será uma perda de tempo. 

Solidão ficou em silêncio, apenas esperando minha reação. Não tendo muito o que fazer, até porque não queria ficar até tarde na rua, levei ela para uma loja de calçados femininos que se encontrava fechada por causa da quarentena.

- É aqui. Ela trabalha aqui até hoje. Nos conhecemos em um sábado. Minha avó veio comprar um sapato aqui e pediu pra que eu retirasse mais tarde. Ela me atendeu e então todas as vezes que passava por aqui para ir trabalhar, falava com ela.

- E então vocês se apaixonaram, certo?

- Na verdade só eu se apaixonei. - lembrei, dolorosamente.

- Me conte mais como desenrolou esse seu romance. Continuamos a andar pelas ruas que se encontravam solitárias.

- A gente conversou por mais de um mês e então, mandei uma mensagem pra ela, convidando-a para comer uma pizza.

- A famosa pizza para conhecer alguém né? - sorriu, Solidão.

- Pois é. E então nos conhecemos, conversamos, se transformamos em amigos e nosso primeiro beijo foi em uma escada.

- Escada?

- Sim.

- Me leve até lá. A sorte era que a escada não ficava muito longe da loja. A escada dava acesso a um shooping.

- Então foi aqui que vocês se beijaram?

- Exatamente. Não consigo esquecer.

- Quanto tempo faz? - perguntou Solidão, vidrada na escada.

- Mais de um ano. É incrível. Toda vez que passo aqui, lembro de cada detalhe.

- Isso dói muito em você, né?

- Muito. - admiti, triste.

- No dia em que você estava beijando ela, o que imaginou que aconteceria depois do beijo?

Sua pergunta me trouxe mais lembranças. Não sabia se isso era bom, na verdade, eu sabia que sairia mais machucado do que nunca, por isso se mantive quieto, sem ter coragem pra subir um degrau.

- Você não pode ter medo de superar. 

- Não é fácil. - declarei.

- Mas não é impossível. Venha, vamos subir a escada e chegar até lá. 

- É necessário, mesmo?

- Sim. Solidão estendeu sua mão e aguardou minha reação. Fiquei por alguns instantes olhando para ela e sem saber como, uma coragem vindo não sei de onde, me levou até a escada. Ao pisar no local em que nos beijamos, uma sensação avassaladora invadiu meu corpo e destruiu minhas emoções. Desabei no choro e por lá fiquei, debruçado no corrimão. Assustada com meu comportamento, Solidão me abraçou, tentando acalmar meu coração que batia mais forte do que nunca.

- Calma, vai ficar tudo bem. - disse ela, me confortando. Era uma sensação tão forte que não conseguia esboçar reação, só queria sair daquele lugar. Depois de longos minutos chorando, consegui ficar calmo e olhei para cada detalhe do local, lembrando de tudo.

- Olhe bem para este local. Foi aqui que você permitiu que o sofrimento entrasse em sua vida. Você sabia que seu coração não era acostumado a só ficar com as pessoas, você não beija por beijar. Olhe bem para este local e saiba que aqui começou tudo e aqui vai terminar. Você realmente acha que ela fica triste quando passa neste local? - me indagou, solidão.

- Ela nem deve lembrar mais.

- A verdade é que ela não se importou com você e a culpa foi sua.

- Minha? O que eu fiz?

- Simples, permitiu ser enganado por si mesmo. Você acreditava no que você queria ver e não no que estava acontecendo.

- E o que eu faço pra esquecer essa garota?

- Aos poucos. Será uma longa caminhada. 

Voltamos para casa e cansados, tomamos um café e dormimos. Estava exausto com tantos pensamentos e lembranças, jamais pensei em voltar naquele lugar. Por volta das 4 da madrugada, acordei um pouco assustado com um sonho que tive. Aquele tradicional sonho em que estamos caindo e então acordamos. Ao se levantar, fui até a cozinha para tomar água e antes de ligar a luz, senti uma presença estranha, parecia que tinha alguém do meu lado.

- Solidão? Está acordada? - perguntei, preocupado. 

Como não recebi respostas, acendi a luz. Imediatamente, dei dois passos para trás, assustado. Em minha frente tinha um homem de cartola, com um terno preto e uma bengala na mão. Ele estava sentado, me olhando como se esperasse alguma reação minha para me eliminar. Quem era esse cara? Como ele tinha entrado em minha casa? O que queria comigo?

As cinzas de um Coração FUDIDOOnde histórias criam vida. Descubra agora