Capítulo 7 - Voz nunca ouvida

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FEDERICO NARRANDO

- Então, Fede. Como foi sua semana? - O psiquiatra em minha frente pegava seu bloco de anotações e a caneta já se encontrava em mãos.

- Sabe... foi bem normal. A Marcelle me questionou sobre o grindr. - Digo a Harry. Ele é meu psiquiatra desde os 12 anos. Me conhece muito bem.

- Eu entendo. Ela viu alguma mensagem? - Dá até um certo constrangimento pensar que ela quase viu um nude meu.

- Viu sim. Ela acha que eu descarto as pessoas. Ela não entende a minha visão sobre eu querer ter meu prazer sexual. - Novamente, eu sou incompreendido.

- Fede, é algo incomum de se ver. Sua personalidade não é comum de uma pessoa que sai por aí passando o rodo e depois nem liga pra quem dormiu. As pessoas traçam uma expectativa sobre esse tipo de gente. E como você não se encaixa na descrição, acaba sendo mais difícil de se acostumar. É um estereótipo que era esperado que você seguisse, mas não segue.

- Mas por que complicar tudo? Eu quero transar. Só isso. É gostoso. E eu sempre deixo claro que só quero foder, mas as pessoas não entendem. Eu vou lá e como o cara. Digo explicitamente que é só sexo. Mas eles dizem entender e depois vem pra cima de mim com esse papo de querer sair comigo e me conhecer melhor. E se eu recuso, o errado sou eu. Sendo que eu sempre deixei claro quais eram as intenções. - Eu não entendo essas coisas simples. Parece que eles esperam que eu siga um padrão de pensamento que nunca me falaram e querem que eu deduza o que eles querem sem me falar de nada.

- É normal do ser humano querer criar laços emocionais. Você sempre diz ser bom de cama. Isso intriga as pessoas, e ao querer repetir, também querem te conhecer melhor. Eles esperam de você um reciprocidade social-emocional que geralmente recebem. Entenda, Fede, as pessoas se magoam facilmente. Você tem sangue frio pra muita coisa e pra tolerar muitas atitudes. Mas você sabe que os outros não são assim.

- Você quis dizer que eu sou diferente. O estranho que precisa de terapia... - É isso que sinto afinal. Sempre tive momentos difíceis por ser diferente.

- Fede, precisar de terapia não te torna estranho. As diferenças existem e estão aí.

- Mas por que eu tenho que mudar? Por que os outros não tentam me entender?

- Mudar a mente da maioria é difícil. E isso não é motivo pra te deixar ter atitudes que magoem alguém. As pessoas tentam entender, mas também querem que você entenda elas.

- Queria que houvesse uma neurocirurgia pra resolver tudo isso.

- Não podemos jogar nas mãos de um cirurgião algo tão complexo. Neurônios são delicados. E seria necessário mexer em todos eles praticamente. O que você sugere é praticamente como refazer seu cérebro. Isso é impossível. Mas é possível te ajudar a viver bem e feliz. É para isso que estou aqui. - O Harry como sempre se mostrando um bom amigo e ouvinte.

- Obrigado, Harry. Fico muito feliz por ouvir isso. - Dou um sorriso enquanto me livro de uma lágrima teimosa que cai pelo meu rosto.

- Vejo que o sorriso reduziu bem. - Ele elogia o meu sorriso. Aprendi a sorrir melhor ultimamente. As pessoas sempre disseram que meu sorriso é exagerado e desnecessariamente grande.

- Fiz alguns esforços.

- E como vai o convívio com os outros rapazes? E como tá o Hank? - Ele chegou no ponto que eu queria.

- O Hank tá na mesma. O Pierre é muito bacana e simpático. E tem o Nico... ele parece me olhar diferente. É como se procurasse algo em mim. Acha que ele pode ter descoberto? - O medo de Nico ter visto o que muita gente não vê é sinal de uma dessas duas coisas. Ou está evidente, ou ele é diferente das outras pessoas.

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