FEDERICO NARRANDO
Ouço o despertador tocar Let it go. É hora de ir para o trabalho de novo. Acho melhor trocar a música, pois estou ficando com ódio dela. Me levanto, boto uma calça e desço para a cozinha sem fazer barulho.
Abro a geladeira e bebo um gole gigantesco de água. Depois fui até o banheiro. Escovei os dentes, mijei e tomei meu banho em 12 minutos. Como sempre faço. Nem mais nem menos tempo.
Ouço passos pela casa. Os outros devem ter acordado. Vou nu para o meu quarto, a toalha vinha em minha cabeça me ajudando a secar os cabelos. No início, Pierre ficava vermelho e virava o rosto. Hoje ele só vira o rosto. Nico parece que fica a espreita pra me ver passar, e olha descaradamente para meu pau.
Eu não ligo. Ele, às vezes, passa a língua entre os lábios e me olha malicioso. Sinto que mesmo que nosso encontro não gere frutos, pelo menos vou ter fodido ele como ele quer. E como também quero.
Visto a roupa de hoje. Calças de tactel, cueca de malha fina e blusa 100% algodão. Também fina. Eu não tenho praticamente nenhuma roupa mais grossa. E também não uso nenhuma roupa jeans. Não gosto da sensação do tecido em minha pele.
Desço para o café, e meus coleguinhas francês e brasileiro estão lá. Pierre fazia umas torradas com um queijo e tempero. Eram uma delícia. Eu tomava um copo de leite com Toddy para acompanhar.
- Fede, você fica com o pão hoje? Eu tenho que fazer vários bolos e doces. Acho que só eu de padeiro não tem como. Foi ótimo você ter ido trabalhar lá com a gente. - Ouço com felicidade o pedido de Pierre. Adoro a sensação da massa nas minhas mãos.
Após acabarmos, vou escovar os dentes outra vez. Olho no espelho do banheiro e vejo meus dentes perfeitamente brancos, alinhados e reluzentes. Vou ser dentista, tenho que dar o exemplo.
Vamos a pé para a padaria mesmo. São ainda 4 da manhã. Nós levantamos 3:20 todo dia. É claro que nunca dormimos depois de 9 horas, ou seria um martírio trabalhar assim. O trabalho em si não cansa tanto, mas ter que equilibrar tempo com a faculdade é dureza.
Ainda tá bem escuro, e os poucos carros que passam por ali estão com o farol ligado. Toda hora eu viro meu rosto para o lado pra não ter que encarar o farol. É uma dor insuportável no meu olho. Irrita muito. A luz do sol também costuma incomodar muito, então pra todo lugar que vou, tenho meus óculos escuros comigo.
Quando chegamos na padaria, fui botar a mão na massa. Literalmente. A sensação da massa entre os meus dedos é gostosa. Uma anestesia tão grande toma conta do meu corpo. Tudo some ao redor.
Minha percepção sensorial é totalmente captada pela massa do pão. Macia. Mole. Não prega na mão, e se molda ao redor dos dedos.
Anestesia.
Anestesia.
Anestesia.
Anestesia.
A sensação é tão envolvente. Mas sinto alguém tirar minha mão da massa.
- Tudo bem? Eu te chamei e você nem me ouviu? - Pierre estava me chamando e nem me dei conta. Infelizmente acontece essa situação às vezes.
E tem momentos que esse desligamento do mundo ao redor me causou prejuízos. Uma vez, eu estava brincando de esconde esconde num passeio por umas planícies na Escócia. Eu e meus colegas de classe estávamos escondidos e o professor ia procurar. Eu fiquei em um arbusto bem grande. E senti uma pedra por baixo de mim.
Comecei a passar a mão nela. Tinha uma textura áspera e diferente. Depois de algum tempo que percebi que havia me cortado. E só quando tomei esse susto, que gritei. Fui achado na hora e a brincadeira acabou devido ao susto que dei no professor pelo meu berro.
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EPIFANIA
RomancePierre é confuso. Nem ele se entende. Atormentado por algo que nem ele mesmo lembra, sua vida é dividida entre a tristeza e a raiva. Com dificuldades seríssimas para confiar em alguém, ele não tem amigos. Até ir morar com mais três homens bem difere...