Capítulo 3 - Introdução a três mundos

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NICO NARRANDO
Novamente nessa espelunca suja. A tia podia escolher um lugar melhor pra guardar a cocaína. Pego os saquinhos e vou enfiando dentro dos pães. Cubro tudo com canela, para desfarçar qualquer cheiro. Saio daquele beco escuro em rumo à minha moto. Esconder drogas em latas de lixo é nojento até para minha tia.

Subo na minha moto e começo a dirigir pelas ruas de Londres até os devidos endereços. Coloco minha máquina de cartão no bolso da minha jaqueta.

Nosso esquema de vendas é muito simples e prático. Tia Márcia deixa as drogas em algum lugar. Eu pego e escondo nos pães e nos bolos. E entrego. Vendemos cada um desses pães por 23 libras. O que é algo como uns 35 dolares, ou uns 90 reais. Mas na nota fiscal consta que o cliente pagou por uma encomenda enorme de bolos gourmet, biscoitos e outras receitas mais caras. Assim, a gente faz uma nota fiscal autêntica e verdadeira, mas com um produto falso. Então o Ministério do Interior nem mesmo desconfia, pois eles estão recebendo seus impostos dos pães devidamente. E nossos clientes não vão nos entregar, pois seria um crime gravíssimo para eles também.

A polícia? Essa é a parte mais fácil. Ah, ali tem uma barreira policial. Vou lhes mostrar o meu show. Paro aonde o policial indica.

- O que leva aí, rapaz?

- Umas encomendas de um padaria. - Ele abre o bagageiro da minha moto e vê os pães, mas antes que possa revistar, eu lanço mão de minha tática. - Tudo certo, policial? - Eu digo com um tom de luxúria na voz. Olho ele de cima a baixo, mordo o lábio inferior e pisco para ele.

O homem se desconcentra e então repara na minha tatuagem de bandeira LGBT no pescoço. Ele pareceu não gostar. E na hora me liberou. Eu volto para a rua e piloto até o endereço, mas não sem dar uma boa gargalhada ao sair dali.

Esses policiais são em geral héteros estressadinhos e não gostam de ver um jovem gay imigrante dar em cima deles. Então eles me liberam na hora. Bando de idiotas de masculinidade frágil. Basta ignorar. Mas eles nunca ignoram. Preferem se livrar de mim de uma vez.

E assim eu faço minhas entregas e acabo o expediente da noite.

Tenho que admitir que depois que eu comecei a usar esse truque, fiquei curioso para transar de verdade com um homem fardado. Quem sabe Federico não pode surrupiar um uniforme do irmão e brincarmos um pouco juntos? Acho que vou averiguar se os 22 cm da senha do Wi-Fi são verdadeiros.

Mas tem uma coisa intrigante nele. Ainda não posso afirmar o que é. Mas Fede tem alguma coisa de especial.

FEDERICO NARRANDO

Hoje essa padaria tá muito movimentada. O Pierre já foi pra faculdade e o Nico tá fazendo entrega. Só sobramos eu e Marcelle. Às vezes, acho que dois de manhã não são o bastante.

- Obrigado, senhor. Volte sempre. - Falo para um idoso que acaba de sair com um bolo de chocolate. - E o senhor? Qual o seu pedido? - Me viro para um rapaz que era o próximo da fila.

- Fede? Você trabalha aqui? - O menino parecia me conhecer de algum lugar. Mas para mim ele era um completo estranho.

- Desculpe, mas acho que não me lembro de você. Qual o seu pedido?

- Cara, eu te conheci no grindr. Semana passada. A gente ficou lá no meu flat. - Ele sorria para mim enquanto falava. - Sou o Jacob.

- Desculpe, mas por favor faça o pedido. Ou vai atrasar a fila. - Eu insisto com o cara.

- Sim. Desculpe. Quatro pães de sal e duas rosquinhas de chocolate. - Eu pego o pedido para ele e ele me paga.

Mas junto das notas e das moedas veio um papel com um número de telefone. E a segunda rosquinha, ele entregou para mim e saiu. Eu sem entender, coloco a rosquinha de volta na vitrine, já que ele não quer.

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