Capítulo 2 - Flamingos voam juntos

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O cume era bem iluminado, mas a falta de ar não compensava.  Sua visão perigava ficar turva, já que era muito rarefeito. Nos primeiros metros não tinham mais ninguém, pra minha sorte. A descida foi ficando tensa quando as primeiras árvores apareceram, o chão ficou íngreme e eu precisei agarrar-me nelas enquanto passava. Caí umas três vezes até conseguir atravessá-las e finalmente cheguei até uma ponte quebrada. 

Um pequeno grupo de pessoas estava ali, me aproximei com cautela e tentei prestar atenção no que diziam. Aparentemente eram duas duplas. 

- E agora? - o primeiro disse. Ele era Cinza Rato.

- Não sei. - respondeu sua dupla - Como vamos atravessar sem a ponte? É melhor se a gente dar a volta.

- A volta aonde? Tu tá doido? É um penhasco, não tem como dar a volta.

- E se a gente descer? - uma menina da outra dupla sugeriu, ela parecia menor de idade. Ela era Preto Búfalo. 

- Qualquer pé em falso e a gente morre. - um dos ratos respondeu - Vamos ficar aqui, estamos presos. 

- Vamos pular - a outra Preto Búfalo disse.

- Pular? Você tá louca, não tem a menor condição.

- Mas a gente não vai pra lugar nenhum se não pular, não tem outro caminho - a garota rebateu.

- A gente vai morrer de qualquer forma se pular! 

Eles pareciam inofensivos, então me aproximei. Assim que cheguei perto os Cinza Rato deram um pulo, mas logo se acalmaram.

- Vocês tem algum problema? A fenda tem dois metros, da pra pular tranquilo - falei.

- É o que eu tô dizendo! A gente consegue pular - a menina concordou.

- Claro que não. - um dos ratos disse - É morte na certa! 

- Vocês vão desistir por causa de uma fendinha desse tamanho? É uma chance em um milhão, gente - eu disse.

- Mas como vamos prosseguir com esse obstáculo? Não tem como! - o outro Cinza Rato continuou.

- Vamos, gente. É só pegar um impulso e dar um pulinho, vocês nem vão sentir - falei.

Eu me senti completamente impotente. Não conseguir convencer algumas pessoas a progredir por conta de uma desavença tão simples era muito decepcionante. O vento gelado da montanha mexeu meus cabelos, que por alguns instantes tinha esquecido que existiam. Tentei convencê-los um pouco mais, sem sucesso. As Preto Búfalo estavam tentadas a me seguir, mas por conta dos Cinza Rato, elas desistiram. Não sei se por culpa em deixá-los lá ou se covardia é contagioso, mas antes que me contaminasse também, pulei. Um rápido frio na barriga foi o suficiente pra chegar do outro lado. 

- Viram? É fácil - olhando eles dali a distância parecia maior, mas não deixei de sentir pena. Sua negação era mórbida, tentei chamá-los até que percebi que era inútil e não pude deixar pra eles mais do que minhas esperanças e desejos de boa sorte.

Lamentando, segui em frente. 

A montanha ainda era bem iluminada, mas a névoa ficava cada vez mais densa e não parecia simplesmente vapor. Ao ouvir algumas vozes saquei minha faca e fiquei na defensiva, pronto pra qualquer ataque... ou quase. Continuei caminhando até chegar numa área repleta de cavernas e árvores coladas, onde algumas pessoas lá vagavam sem rumo. 

Muitas interrogações surgiram na minha cabeça, mas não quis ficar ali pra saber como elas ficaram. Continuei em frente... mas não por muito tempo. A névoa entrou nos meus pulmões, me envenenando, e perdi a força nas pernas, caindo no chão como fruta madura. Paralisado pela dor fiquei ali deitado de bruços mais tempo do que eu queria. Algumas pessoas passavam por mim mas pareciam não perceber minha presença ali. 

Dança dos FlamingosOnde histórias criam vida. Descubra agora