Capítulo 3 - A verdade

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- Quer saber de uma? Eu vou comer meu pão. - falei assim que as lágrimas cessaram - Quer?

Ele riu.

- Não, eu ainda tô bem, pode comer tudo. Vai precisar de bastante energia amanhã de manhã, vai ser nossa maior trajetória. 

Suspirei.

- Sério? Logo depois do descanso que não vamos ter? - perguntei.

- Prefere morrer?

- A gente podia revezar o sono!

- E podia morrer também - ele disse.

- Pensei que você soubesse lutar.

- De onde você tirou isso? 

- Da facada que você deu no homem? - retruquei.

- Qualquer um sabe lutar quando está armado contra alguém desarmado.

Dei de ombros e mordi no meu pão, ainda estava fresco. 

- Vou ficar quietinho aqui então, nosso esconderijo é bom. 

- É melhor, vamos recuperar nossas energias. 

Terminei de comer e bebi o resto da água da garrafa. Só ali eu percebi o quão cansado eu estava, minhas pernas ardiam e minhas costas estavam doloridas. Ele se apoiou, sentado, às paredes da caverna e abriu os braços para que eu o abraçasse.

- Chega pra cá, não temos fogueira, precisamos nos esquentar - ele disse.

Meio sem graça me aproximei dele, que me deu um abraço assim que nos encostamos.

- Não precisa ficar assim, somos uma dupla, pode se soltar. 

Não respondi, mas ao poucos fui me aconchegando em seu peito, acabei por abraçar sua barriga e antes que pudesse controlar acabei caindo no sono. Não sonhei com nada em específico, mas um sentimento ruim tomou meu coração durante todo o meu descanso. Me senti culpado, abandonado, sozinho... como se lutasse contra algo que não pudesse vencer, algo que já tinha me vencido. Mas tudo isso acabou quando acordei com Francisco cutucando minha testa. Levantei num pulo, completamente sem graça.

- Vamos? - ele perguntou.

- Desculpa, eu dormi.

- Jura? Não percebi não. - ele riu em seguida.

- Vamos logo - andei em direção a cachoeira mas ele me chamou pro lado oposto.

- Sabe nadar? - ele perguntou.

O encarei.

- Sério? - ironizei.

- Não precisa saber exatamente, só ter coragem pra fazer.

- Eu mal consegui passar por um riozinho e tu quer que eu nade? E que papo é esse de só ter coragem?

- Você sabe porque tem esse medo todo de água? 

Aquela pergunta acertou minha testa como uma flecha. Refleti por alguns segundos tentando achar uma justificativa, alguma memória que me explicasse tudo aquilo, mas meu cérebro trabalhava como um músculo atrofiado e cada segundo novo de lembrança que chegava. 

- Ahh! - gemi tanto de dor quanto de surpresa.

A pergunta de Chico engatilhou minhas lembranças e aos poucos minha mente voltava a funcionar, mas a que custo? Sempre ouvi dizer que ignorância era um bênção, será que eu me sairia melhor nos desafios se não soubesse as coisas que realmente tinha feito? Eu via uma família, um pai, mãe, dois irmãos, todos ao meu redor, preocupados.

Dança dos FlamingosOnde histórias criam vida. Descubra agora