Aceitar o que Yoongi havia me proposto foi algo surpreendente para mim, não me imaginava cuidando de um cego sem ser pago apenas porque meu namorido mandou. E sinceramente, eu não estava nem um pouco animado com isso e minha animação se esvaía cada vez mais pelo fato de Yoongi ter dito que eu deveria buscar o tal Jeon na escola hoje.
Me pergunto porque os pais dele não o buscam, ou porque ele não pega a van dos alunos de inclusão que tinha na escola, afinal depender do médico é algo extremamente estranho. Mas é aí que eu me lembro: eu não era o seu médico. Eu estava mais para uma babá do que para um oftalmologista, na verdade.
Suspirei e então parei o carro frente àquela grande escola, notando que bastante alunos saíam por conta do sinal que havia acabado de tocar. Esperei por volta de uns quinze minutos, até que a escola estivesse totalmente liberta dos alunos e então vi o Jeon se aproximar com a ajuda de um colega. Abri o vidro do carro e então buzinei, mostrando para os garotos que eu estava ali. Não tardou muito para que o garoto ajudasse o Jeon a entrar no carro e se despedir.
ㅡ Eu irei direto para o consultório? ㅡ perguntou. A sua voz era baixa.
ㅡ Vai direto para a academia. ㅡ eu disse enquanto girava a chave do carro e então comecei a dirigir.
ㅡ Academia? ㅡ perguntou confuso. ㅡ Eu não acho que eu precise exercitar meu corpo.
ㅡ Você precisa exercitar seu cérebro. ㅡ falei. ㅡ A academia está fechada hoje, pertence a um amigo meu. Então não se preocupe, não vai ter ninguém lá além de nós dois. ㅡ expliquei e então sorri simpático, só então lembrando que ele não poderia ver o meu sorriso, então o desfaço.
O garoto continuou com sua face confusa, porém apenas manteve-se em silêncio até que chegássemos até o local desejado. Tratei de abrir minha porta e, logo após, a porta do Kim Jeon. O garoto passou a mão pelo meu braço e então eu ri baixo, logo tirando-as de lá.
ㅡ Você não vai me guiar? ㅡ perguntou aparentemente preocupado. ㅡ Eu não sei onde estou, não posso simplesmente adivinhar onde vou pisar. ㅡ falou aparentemente com medo.
ㅡ Não seja esquentadinho, eu tenho uma coisa para você. ㅡ comentei e então revirei os olhos, logo abrindo a porta do banco de trás do veículo e então pegando o objeto longo, logo colocando em suas mãos.
ㅡ Um pau? ㅡ ele perguntou enquanto tateava o objeto em mãos.
ㅡ Não chame de pau. Isso é uma Bengala de Hoover. ㅡ disse e então ri. ㅡ Ela vai ser a sua guia, de agora em diante.
ㅡ Eu nunca caminhei com isso, como vou ter certeza que não vou bater nos objetos?
ㅡ Ninguém nunca te explicou sobre a bengala? ㅡ perguntei e então suspirei. ㅡ Aqui tem um botão, ó. ㅡ disse guiando suas mãos até o meio da bengala, logo mostrando onde era o tal botãozinho. ㅡ Isso aciona a bengala a te ajudar. Você vai segurá-la aqui… ㅡ disse novamente posicionando sua mão, dessa vez ao topo da bengala. ㅡ E vai sentir uma vibração pequena quando houver um objeto que tenha seu tamanho até, mais ou menos, abaixo da sua cintura. E vai sentir uma vibração um pouco maior quando houver um objeto maior que a sua cintura. ㅡ expliquei. ㅡ Com a bengala ligada, se eu ficar na sua frente, por exemplo, você vai sentir uma vibração notável na mão que está segurando a bengala. ㅡ disse, logo me posicionando em sua frente.
ㅡ Oh, eu senti! ㅡ ele exclamou surpreso. ㅡ Eu não sabia que era assim que funcionava. Eu pensei que era só um pau gigante que a gente usa pra bater nas coisas que têm do nosso caminho. ㅡ disse parecendo estar impressionado com o objeto, o que logo me fez sorrir.
ㅡ E como se diz?
ㅡ Bengala de Hoover.
ㅡ Não cara, estou falando sobre agradecer. ㅡ disse revirando os olhos.
ㅡ Ah sim. Obrigada. ㅡ disse e então sorriu pequeno.
ㅡ Seu desafio agora é entrar na academia. ㅡ ditei, logo caminhando até a porta do local e olhando para o garoto.
E então eu me senti o ser mais maquiavélico do planeta, isso porque o Jeon simplesmente empacou. Parecia estar com medo de andar sozinho e eu podia jurar que se ele fosse um cachorrinho, com toda certeza estaria com suas orelhinhas para baixo e seu rabinho entre as pernas.
ㅡ Vamos Kim, você consegue! ㅡ falei tentando encorajá-lo.
ㅡ Eu não consigo não! O pau não tá vibrando! ㅡ gritou, talvez pensasse que eu estava muito longe.
ㅡ Como quer que o pau vibre se você ainda nem se mexeu? ㅡ perguntei cruzando os braços. ㅡ Quer dizer, a bengala de Hoover. Pelo excelentíssimo senhor dos céus, não chama de pau.
ㅡ Tá tá. ㅡ resmungou, logo dando um único passo a frente e então parando. ㅡ Não vibrou, não vibrou. Socorro. ㅡ ele disse eufórico, fazendo-me rir.
ㅡ Jungkook, ele só não vibrou porque não tem nada na sua frente, então não precisa ter medo. ㅡ expliquei enquanto prendia o riso por vê-lo de uma maneira tão engraçada.
Mas diferentemente do que eu achei que ele faria, ele não andou, mas neste momento isso não me pareceu por medo. Ele simplesmente paralisou e sua expressão de fechou completamente, logo mordendo o lábio inferior e então abaixando sua cabeça.
ㅡ O que você disse? ㅡ perguntou ainda mais baixo do que o seu tom de voz era, quase não me fazendo escutá-lo.
ㅡ Eu disse que não há nada na sua frente. ㅡ respondi arqueando uma das sobrancelhas, confuso pela mudança de humor repentina do garoto.
ㅡ Não, você me chamou por algum outro nome…
ㅡ Ah… Me desculpe, Jeon. ㅡ disse coçando a minha nuca.
Havia o chamado de Jungkook e ele parecia inquieto quanto a isso…Será que ele odiava tanto assim ter o nome confundido? Não sabia ao certo. Mas não podia negar que o garoto me lembrava muito do Jungkook, seu jeito por vezes tímido, por vezes esquentadinho; a maneira com que sua voz sempre soa mais baixa do que deveria e sua pele extremamente branca. Porém eu bem me lembro da estatura baixa do Jungkook, de sua voz fina e de seus cabelos quase raspados. Lembro que suas mãos eram extremamente pequenas e que seus pés calçavam 34.
É claro que, logicamente, Jungkook deve ter crescido, afinal na última vez que eu o vi, ele tinha cerca de onze anos de idade. Mas as pessoas não mudam tanto assim, não é? Quer dizer, é quase impossível alguém como Jungkook crescer e se tornar como o Jeon é.
O Jeon é mais alto que eu, suas mãos são grandes e seus pés parecem duas pranchas de tão gigantes. Suas madeixas caem por cima dos olhos e ele não tem o sorriso tortinho como Jungkook tinha. Jeon era muito mais atraente que o pequeno Jungkook.
Mas de certo modo, estar ao lado de Jeon era como voltar no tempo e estar, novamente ao lado de Jungkook. De alguma maneira, eu me sentia bem com Jeon quase como me sentia com o meu melhor amigo de infância, o garotinho que eu vi quando era apenas um bebezinho que acabara de nascer.
A nostalgia havia me pegado, meu coração se apertado e minha cabeça havia voltado totalmente para o orfanato. Havia me levado para Jungkook, para Taehyung e para o dia em que eu fui embora daquele espaço que por muito tempo chamei de casa.
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ㅡ Hyung! Você não deveria roubar comida das freiras, você sabe que pode se dar mal por isso. ㅡ Jungkook me repreendeu, logo cruzando seus braços e formando um bico fofo nos lábios.
ㅡ Aigoo, mas eles são pra você Kookie. ㅡ falei enquanto tocava em seu ombro. ㅡ Elas nunca nos dão doce, compram e ficam com eles todos para elas!
ㅡ Não interessa se elas não nos dão doces… ㅡ ele disse baixo. ㅡ Quando você sair daqui vai virar um ladrão, é? Vai roubar coisa dos outros simplesmente porque você não pode ter? ㅡ perguntou cabisbaixo, ele verdadeiramente odiava falar sobre quando eu fosse sair dali.
ㅡ Aish, eu não vou virar um marginal! ㅡ disse bagunçando seus cabelos que quase não existiam. ㅡ Eu vou ser um médico!
ㅡ Médico? ㅡ perguntou e então riu. ㅡ Que tipo de médico, Doutor Jimin?
ㅡ Um médico de cegos! ㅡ falei pegando em suas mãos. ㅡ Eu vou cuidar de um monte de gente como você, vou fazer todas elas serem felizes mesmo que não possam enxergar o mundo.
ㅡ E depois que se tornar médico, o que vai fazer?
ㅡ Eu vou achar Taehyung. ㅡ disse, logo olhando sua expressão que, de repente tornara-se triste. ㅡ Você também sente falta dele?
Jungkook ficou um pouco pensativo, com sua cabeça baixa, como fazia sempre que estava sentindo algo incômodo dentro de si. Logo o vi balançando a cabeça para cima e para baixo, respondendo afirmativamente a minha pergunta.
ㅡ Eu amo ele, Kook. Então eu tenho que achá-lo. ㅡ falei e então mordi o lábio inferior. ㅡ Assim como eu também amo você.
ㅡ Você ama eu e o Tae da mesma forma? ㅡ perguntou levantando sua cabeça.
ㅡ Eu amo muito vocês dois. Mas é de uma maneira diferente, sabe? ㅡ respondi e então suspirei. ㅡ Eu amo você como se fosse meu irmão, já o Tae…
ㅡ Como se fosse o seu namorado? ㅡ Jungkook disse antes que eu pudesse terminar minha frase.
ㅡ Sim. Como se fosse o meu namorado. ㅡ falei um pouco sem graça. ㅡ Mas isso não é um problema. Um dia nós três vamos estar vivendo lá fora, estaremos seguindo nossas vidas, então eu vou procurar vocês dois e nós viveremos como uma família… Como a família que nós sempre fomos.
ㅡ E eu serei seu irmão?
ㅡ Sim, você será o nosso irmão. ㅡ disse e então sorri.
ㅡ Eu não quero ser seu irmão, Jimin.
ㅡ Não? ㅡ perguntei arqueando uma de minhas sobrancelhas.
Jungkook havia falado pouco comigo desde a data do seu aniversário de oito anos, então diálogos como esse eram raros entre nós. Mas de alguma maneira parecia que nós dois estávamos bem agora. Talvez porque Jungkook saiba que faltam poucos dias para eu ser obrigado a sair do orfanato ou talvez seja só porque ele está com saudades dos velhos tempos, assim como eu.
Já faziam três meses que eu havia completado dezoito anos, já deveria ter saído daqui antes. Porém as freiras me deixaram ficar mais um tempo, apenas para que pudessem achar uma casa para que eu pudesse alugar, afinal por conta da afinidade que tinham comigo, não poderiam apenas me largar lá fora.
Mas eu sabia que meu tempo estava se esgotando e que teria que partir, sabia que Jungkook ficaria sozinho aqui dentro e que, provavelmente também não seria adotado, principalmente pelo fato de ser deficiente.
Gostava de não pensar muito sobre isso, não pensar muito sobre partir. Mas toda essa tentativa de afastar meus pensamentos foram por água abaixo quando senti uma mão tocar meu ombro, fazendo-me olhar para trás e notar que se tratava de uma freira.
Era a minha hora de partir.
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• Invisual • ➣ pjm + jjk
Fanfic➣ Jeongguk é cego. Ele sempre foi, nasceu assim sem nunca ter visto o mundo ou a sua cor. Nasceu sem saber a forma das coisas, ou a aparência dos personagens de seus filmes favoritos. A única coisa que ele nasceu sabendo fazer, eram amar. Porém, o...