Capítulo 2

26.6K 3.1K 808
                                    

CHARLOTTE D'EVILL

Eu sei que ela está nervosa. Oras, quem a conheceria melhor que papai e eu? Soube que havia algo errado no instante em que o bolo de chocolate foi servido. Temos uma pequena tradição de tomar chá juntas todos os dias às quarto enquanto papai está trabalhando. À noite, depois do jantar nos reunimos os três para conversar e jogar alguma coisa. Adquirimos essa rotina depois que o último irmão casou-se e nos deixou aqui.

Ano passado houve uma confusão, minha reputação foi jogada pela janela e minha família - que já era mal falada - ganhou uma fama pior ainda, quem gostaria de casar o filho com a concubina que provou o filho de seus anfitriões em um baile importante? Minhas chances são nulas.

Desamparada não ficarei, minha família possui uma empresa ferroviária muito importante e o responsável por dirigi-la é meu irmão mais velho, Anthony. Como possuo ações do negócio - insistência de papai - eu tenho minha própria pequena fortuna, mais que suficiente para viver confortavelmente pelo resto dos meus dias.

Posso deixar minhas riquezas para meus infinitos sobrinhos, é claro. Alice e Austin, filhos de Anthony; Michael e Florence, filhos de Victoria; Gabriel e Edmund, filho e sobrinho de Harry - respectivamente; Cameron e Liam, filhos de Elizabeth. Agora Grace está grávida de seu terceiro filho e Luíse espera seu segundo.

Sim, herdeiros não me faltam.

-Vamos mamãe, diga-me o que passa.

-Não sei do que está falando, querida.

-Bolo de chocolate, biscoitos de chocolate e tabletes de chocolate. Algo não está certo aqui.

-Bem. - Respira fundo e endireita a coluna, deixando-me mais desconfiada ainda - Talvez queiras passar o verão na casa de algum de seus irmãos, o que acha?

-Mamãe, por que estás tentando expulsar-me de casa?

-Charlotte... - Faz cara de súplica e balanço a cabeça.

-Mamãe, diga de uma vez.

-Os Zidenville estão de volta ao campo e planejam uma temporada em sua residência.

-Haverá pessoas pelos bosques. - Sinto meu corpo murchar.

Desde o episódio do ano passado tenho evitado qualquer tipo de contato com o mundo exterior. Meus pais sugeriram que eu fosse para outro país tentar uma vida nova, eu poderia aproveitar a França ou a Itália, mas prefiro estar aqui com eles. Jamais me perdoaria por abandoná-los sozinhos aqui, eu sou sua companhia e estamos juntos desde sempre. Meus irmãos se casaram e foram para longe, eu não pretendo fazer isso.

Os Zidenville são o casal de marqueses que vivem na propriedade vizinha a nossa, são muito amigos da família e na última vez que soubemos eles haviam viajado para o exterior, indo visitar o filho que está a quatro anos viajando pelo mundo.

Em meu ano reclusa aqui pude melhorar minhas atividades na estufa da família, passo meus dias estudando na biblioteca e cavalgando por nossos bosques. Brightdown é uma propriedade imensa e posso ocupar-me bastante por aqui.

Não sei dizer se meu pai contou aos arrendatários e aos criados o que realmente aconteceu, mas todos seguiram com suas vidas normalmente, tratando-me do mesmo modo que antes, mesmo sabendo que a fofoca da capital já havia chegado as nossas terras.

Sim, quando fugimos da capital e voltamos para cá passei duas semanas trancafiada no quarto lamentando o quanto minha vida havia sido arruinada e culpando-me das mais diversas formas possíveis. Se eu for realmente sincera posso dizer que se penso muito nisso acabo por chorar. Depois de meus dias de lamento e isolamento minha mãe invadiu o quarto e arrastou-me para fora, garantindo que nada havia mudado, que este era meu lar, que as pessoas me amavam e me respeitavam e isso incluíam os arrendatários e criados.

Com o tempo recuperei o peso perdido e aprendi a não pensar em tudo o que aconteceu naquela noite, de nada adiantaria lamuriar-me. Tyrton fugiu do país e nunca soubemos para onde foi, nunca conseguirei o marido e de acordo com as convenções sociais, para restaurar minha honra eu deveria me casar com quem a destruiu ou com um lorde mais respeitável. Prefiro pensar que estou arruinada para sempre e não terei de voltar a buscar por um marido. Não, não mais.

-A questão vai um pouco além dos convidados rondando nossos bosques, meu amor. - Mamãe me serve um pedaço de bolo.

-Posso passar o verão trabalhando na estufa, isso não é problema, não terei de me encontrar com nenhum deles.

-Haverá bailes, Charlie. Toda a nossa família foi convidada e o motivo dos bailes são o que me preocupa.

-Ora, mamãe. Sou adulta o suficiente para ficar em casa com os criados enquanto vocês aproveitam o baile, os Zidenville são amigos de longa data. Aproveitem.

-Charlotte, os bailes são para encontrar uma noiva para Aidan.

-Mamãe, Aidan está no exterior.

-Não, meu amor. Ainda retornou para o país com os pais, voltou para casa há poucos dias.

-Aidan está aqui? Por que ele voltou? Pensei que tivesse partido para sempre.

-Charlie, por favor, sempre soubemos que era temporário. Ele regressaria em algum momento.

-Sim, mas pensei que regressaria casado e com um par de filhos, talvez algum animal exótico de estimação. Por Deus, ele está fora há anos, não pode simplesmente retornar assim e planejar bailes para encontrar uma noiva. Isso é ridículo.

-Charlotte.

-Perdoe-me, exagerei. Eles são livre para fazer o que quiserem, Aidan é adulto e se lhe parece bem organizar bailes e encontrar uma esposa que assim seja. Imagino que tia Eleonor tenha enviado convites para meus irmãos também, escreva-lhes e diga para que venham.

-Está certa disso?

-Mais é claro. Não atrapalharei suas vidas por uma desgraça que ocorreu a mim. Diga para que venham e aproveitem dos eventos em Zidenville.

-Não sinto segurança para isso. Não quero que volte à reclusão, Charlotte.

-Não voltarei, mamãe. Confie em mim.

-Tudo bem, lhes escreverei ainda hoje.

-Obrigada! - Levanto-me e dou-lhe um beijo na bochecha.

Se ainda está de volta ao país há dias, certamente já ouviu as histórias sobre mim. Pouco me importa se ele está evitando contato, minha família não precisa privar-se por minha causa. Deixe-os aproveitar.

Preciso cavalgar, isso me acalma. Posso levar Apocalipse até o lago, é silencioso e sem sinal de vida humana por ali. Um lugar perfeito para pensar. Sim, é um bom plano. Apenas eu, Apocalipse e meus pensamentos.


*****

Aidan Elijah Schackleford - futuro marquês de Zidenville, atual visconde de Zidenville

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Aidan Elijah Schackleford - futuro marquês de Zidenville, atual visconde de Zidenville

Marquês Delicioso - Os D'Evill 05Onde histórias criam vida. Descubra agora