Ágata

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A terra do cemitério não era muito fértil.

Depois de alguns minutos esperando, Ágata começou a perder a paciência. Ela estava prestes a esbravejar o nome da colega no meio do cemitério quando finalmente a avistou entre os túmulos. Manuela era uma jovem bonita, simples e natural, bonita de verdade, esse era o tipo de beleza que a veterana queria. As forças do universo, obscuras ou não, eram naturais, certo?

— Encontrei uma moça, tem uma foto na lápide, ela é impressionante... — Manuela parecia realmente convencida disso, então Ágata pegou sua preciosa sacola cheia de itens que quase custaram seu sangue (sem contar os olhares, que tipo de pessoa precisa de cascos de bode?) e se deixou guiar pela mais nova.

Aquele era o único cemitério público da cidade, devia ter pelo menos décadas de túmulos. Tomando cuidado para não pisar em nenhuma cova, elas levaram cerca de 5 minutos para alcançar o túmulo.

Alta e voluptuosa, exibindo uma juba negra de cabelos maravilhosos e seus olhos cor de mel, com um riso rico e poderoso. Era assim que Ágata poderia descrever Lilith Capri, a moça na foto, a garota morta de quem ela com certeza roubaria a beleza.

— Não vamos precisar cavar não, né?

— Ah, não, pelo amor de Deus, você acha mesmo que vou me dar ao trabalho de abrir um caixão? — sem esperar a resposta a veterana começou a tirar as coisas da sacola, as fedorentas raspas de cascos de bode, as cinco velas, as ervas, a faca e o fortíssimo óleo de essência floral que ela mesma havia feito, sem contar a pequena caldeira e o livro — O site não era muito específico nos detalhes, mas parecia tudo muito, muito fácil, o que acho ótimo, sabe, afinal praticidade é essencial nos dias de hoje, enfim. Acho que podemos começar. Ah, e não se esqueça de anotar tudo no meu livro de feitiços, tá? Conforme combinamos.

— Okay.

Manuela não estava nada contente com aquilo, sabia que Ágata possuía certo talento, tinha até mesmo visto a outra acender uma vela sem nada além de concentração, mas aquilo era diferente. Invadir um cemitério para um feitiço de beleza? Deus, isso era o cúmulo da morbidade.

— Tem certeza disso? Esse site era mesmo confiável? Essa magia é segura? Tem algo sobre isso nos escritos da sua bisavó? — Manu perguntou enquanto virara para o outro lado.

— Eu pesquisei em outros lugares antes e juntei os... fatos. — uma bruxa comum não poderia fazer aquilo, mas Ágata era excepcional, melhor que sua bisavó em muitos aspectos, ela não tinha medo do poder.

Manuela achou que algo muito errado estava prestes a acontecer, mas sua lealdade a Ágata era maior que o medo que sentia. Voltou-se para a amiga, mas ela já estava dentro de um pentagrama cujo centro era dividido pela lápide e a caldeira cheia do óleo e ervas. O pentagrama havia sido riscado no chão com a faca, que agora estava fora da linha do círculo.

Caminhando dentro do círculo em sentido anti-horário a veterana acendeu a primeira vela, prateada, para carisma, continuou e acendeu as duas velas vermelhas, para paixão e vitalidade, depois as duas velas laranjas, para energia e atração.

— Sub ductu spiritus qui inhabitat in nobis, necesse est nobis in tenebris vitae. Da mihi de morte ad vitam pulchritude. Fati de quibus maximorum beneficiorum spiritus tenebrae mortis.

A veterana proferiu as palavras lentamente enquanto andava dentro do círculo, sua voz ressoou de forma anormal e Manuela jurava ter escutado outro som.

— Manuela! Ágata sibilou e a colega quase pulou de susto. — Me dê o athame.

O que?

— A faca, rápido!

Manuela largou o livro de sombras e pegou a faca com cuidado. Ágata ainda estava parada de costas, aparentemente não podia se mexer sem o objeto. Mesmo com todo o cuidado acabou se cortando um pouco, sem mencionar esse pequeno fato depositou o objeto na mão da colega que logo caminhou para a caldeira. Jogou as raspas de casco de bode e mexeu o conteúdo três vezes enquanto recitava as palavras em latim novamente. E mais uma vez, Manuela pensou ter escutado algo, sentindo um pequeno aperto em seu interior.

Quando as palavras do feitiço foram entoadas pela terceira vez, Ágata conseguiu ouvir com clareza o som do fogo queimando, o ranger de dentes e o barulho de cascos batendo no chão. Sua boca se abriu num grito mudo, seu corpo arqueou-se para trás ao sentir o sangue ferver, uma luz vermelha começou a emanar de seu corpo.

Naquele momento, todos os habitantes da cidade sentiram o chão tremer, pois uma fenda na terra do cemitério se abriu como uma boca para vomitar todos os cadáveres que estavam guardados em seu interior.

— Ah, não! Mas que porra! — Ágata disparou.

Sim. Algo de muito errado havia acontecido durante aquele feitiço de beleza, pois o ritual acabou invocando forças ocultas além do esperado. E Manuela imediatamente compreendeu isso. Diante da cena, ela pensou em fugir. Entretanto, ao sentir o calor do rasgar do véu, seu corpo foi consumido pelas chamas.

No mesmo instante, Ágata voltou o olhar para onde a colega de jazz deveria estar posicionada. Quando não a viu mais ali, soltou o grito mais desesperado que conseguiu.

— AAAaaaaaaAAAAAAAAaaaaaaAA!

O mau cheiro fez Ágata recuar alguns passos. Ela observou horrorizada aquelas centenas de corpos pútridos se erguerem descoordenados, como se fossem controlados por um marionetista louco, avançando, ignorando todos os obstáculos que atingiam. E a ela, só restou correr, sua vida dependendo daquilo.

Aonde ir? Não sabia exatamente. Mas numa cidade infestada por mortos-vivos, procurar por um lugar sagrado e elevado era a melhor opção possível para uma jovem bruxa desastrada se abrigar. E na cidade só existia um único lugar assim.

***

A Noite do Arrepio (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora