Era o meio de agosto de 2011, logo de manhã. Eu tinha os quatorze anos feitos há umas três semanas. Estava em uma sala super fria de interrogatório da delegacia - uma das várias do Queens, onde sempre moramos - com as mãos enterradas nos bolsos do meu casaco. Cabelo preso, suando bastante pela tensão, não por causa de um pingo de calor que entrava sempre que a porta da sala era aberta, mas porque estava um calor infernal sob aquela grossa camada de pano que me cobria.
Um detetive policial fazia perguntas simples e anotava em uma ficha cada uma de minhas respostas secas. Nancy estava comigo durante todo o interrogatório, assim como esteve com minhas nas últimas três vezes, apenas naquele dia.
Era uma história complicada demais. Na noite passada, mamãe nos colocou para dormir (cada uma de nós quatro, como sempre fazia quando éramos nem pequenas), desejou boa noite e deixou os quartos. Ela e papai deixaram nossa casa logo depois, sem mais nem menos. Acordamos sozinhos, com um silêncio pertubador entre as paredes da casa, sem a presença de ninguém, o que era estranho diante do fato de que nenhum dos dois saía para trabalhar cedo. Erin, minha irmã mais velha, teve a iniciativa de procurar por alguém conhecido logo que descobrimos que as roupas haviam desaparecido dos closets, achando o número de Nancy no meio das coisas de mamãe. Fomos para o apartamento dela.Nancy era uma velha amiga do casal.
Os três se conheciam há anos, desde mais ou menos o ensino médio, pelo o que eu sabia. Assim como nós, também morava no Queens, mas vivia em uma situação mais precária; havia praticamente acabado de se divorciar e tudo que obtia de mais valor era um pequeno apartamento longe do centro movimentado, além de uma tonelada de dívidas para pagar. Uma mulher extremamente gentil e compreensiva que aceitou nos levar à delegacia logo após nossa chegada.
O detetive estava sendo mais duro nas perguntas comigo (assim como havia sido com Erin) por sermos as mais velhas, enquanto Lizzie e Natasha, só tinham treze e dez anos, respectivamente. Eu estava ansiosa demais com a situação, não sabia o que meus pais haviam aprontado e, caso tivessem realmente fugido, seria minha culpa? Fizemos alguma coisa errada? Ninguém sabia ao certo, mas de acordo com a polícia, saberíamos rapidamente. Mamãe e papai conseguiam ser bens esquisitos às vezes, de vez em quando insensíveis com situações mais complicadas que o normal, mas nada que os fizessem desaparecer no meio da madrugada sem mais nem menos. Só de pensar nesse tipo de atitude já ficava enjoada.
Meu Deus, por que isso estava acontecendo?!
Respirar sem hiperventilar tornou-se super difícil com o passar dos minutos - conseguia sentir uma das várias crises de asma chegando, mas tentei não comentar com ninguém - e, de repente, foi como se as palavras do homem barrigudo à minha frente tivessem sido ouvidas ao longe, como uma voz de fundo nada interessante e sem sentido. Não conseguia entender direito o que ele dizia, nada normal. Imaginei por um segundo como seria abrir aquela porta e sair correndo pelos corredores da delegacia até achar a saída; sentir o calor ardente do Sol na minha pele e encontrar os rostos conhecidos escondidos na sombra da grande árvore a alguns metros da entrada do lugar. Papai e mamãe, sorridentes, correr até seus braços e apenas ouvir que tudo aquilo havia sido apenas uma brincadeira sem graça, com um tempo limitado.Acordei do meu pequeno sonho após mais uma pergunta do detetive, quando Nancy apoiou a mão em meu ombro esquerdo, esperando que eu o respondesse. "Que horas sua mãe esteve no seu quarto pela última vez?", questionou o homem. A pergunta era simples, mas pelo nervosismo é claro que tive dificuldade de puxar a resposta lá no fundo das minhas lembranças da noite passada. Sequei o suor da testa com a barra do meu casaco e pensei direito.
- Não sei direito - falei, após uma expiração longa. Tentei observar as anotações do detetive, mas foi algo em vão já que o mesmo conseguiu esconder da minha vista cada palavra descrita.
- Dez da noite, eu acho.- Ela parecia arrumada? Roupas diferentes, como quem iria sair para longe?
- Não... não que eu lembre. Ela parecia normal, como sempre - continuei.
Isso era verdade. Na real, eu quase nunca sabia ao certo se mamãe estava mais casual ou mais formal. Era sempre o mesmo estilo de botas, calças jeans meio coladas no corpo, os blusões diferenciados que tentavam esconder o tamanho grande de seus seios (que a incomodava na maior parte do tempo) e, uma vez ou outra, um casaco de lã, ou sobretudo. Nada de maquiagem, apenas o mesmo batom de tom vermelho nada exagerado, que se destacava num ótimo contraste com sua pele branca e cabelos castanho escuro, mesclados com o loiro do reflexo.
Por um instante, sinto sua falta. Saudade de sua aparência e personalidade.
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Nós, Latente [CONCLUÍDO]
Подростковая литератураPersonalidade forte, extrovertida e meio alienada são com certeza características que definem Sadie. Todos estão super animados com o fim do último ano do colégio, ansiosos para as festas, a chegada da formatura e as faculdades, enquanto a garota e...