TRÊS

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Respirei fundo cerca de três vezes seguidas, sem tirar os olhos do relógio preso na parede próximo ao ventilador velho e caquético que finalmente havia deixado de funcionar 100%. Meu rabo de cavalo havia se transformado em um coque alto por conta do calor que fazia, a turma toda estava totalmente em silêncio, meio paranóicos e ansiosos, esperando que os últimos dois minutos de aula do ensino médio chegassem ao fim; a ponta da minha unha do dedão da mão direita não existia mais, já que o nervosismo havia tomado conta de mim, me convenvendo a roê-la. 14:59. Faltavam dez segundos para o fim e eu estava boiando eternamente em minhas lembranças dos últimos últimos anos naquela escola. Momentos bons, tristes, insuportáveis e ansiosos. Não acreditava que finalmente não pertenceria mais àquele lugar, nem à mais nenhum; eu estaria livre de estudos, provas e tarefas até quando bem entendesse, não veria mais nenhum dos meus colegas. A última parte não se tornou tão legal quanto eu tanto pensei, mas esperava (e tinha certeza) que todos nós ainda seríamos unidos em algum tipo de futuro alternativo. Engraçado lembrar que naquela mesma sala, havíamos ficado presos uma vez há dois anos, logo após a porta ficar emperrada durante quase duas horas até que Tim, o zelador mais velho da escola, viesse nos socorrer.
Acabamos de sair da nossa última aula de educação física do último ano. Último jogo de basquete juntos das nossas vidas. 15:00. Soltei a respiração de vez, com aquele sentimento leve de perda apertando totalmente meu estômago, eu conseguia sentir. A gritaria se inicou, todos pegaram suas coisas e deixaram a sala de aula - alguns abraçaram e comprimentaram nossa (agora ex) professora de geometria antes de finalmente sair correndo -, onde, no corredor que dava na saída principal, uma multidão de alunos da minha turma de espanhol empurravam um ao outro e faziam uma pequena chuva de papéis picados jogados ao ar, parecidos com confetes.
Tentando atravessar os grupos que iam se formando, consegui chegar à saída, onde muita gente havia começado se despedir - o que não entendi muito bem, já que ainda se veriam na formatura e no baile. Uma mão me puxou antes que eu chegasse ao estacionamento do colégio, onde Lizzie me esperava. Era Olivia, uma das garotas que estudava comigo há mais tempo, desde o fundamental, pelo o que lembrava. Ruiva, com rosto pintado de sardas multiplicadas principalmente sobre seu nariz e bochechas, tinha cerca de um metro e meio de altura (pouco para suprir a sua idade) e, pasmem: estava grávida de nove meses e um dia. Um choque para todos da escola que não viam uma aluna grávida conseguindo terminar o ensino médio desde 1999 - estávamos paradas uma de frente para outra em uma distância considerável, e ainda sim, o bebê em sua barriga estava conseguindo chegar em mim -, que teve um parto prematuro no banheiro do primeiro andar durante o baile daquele fatídico ano.
Olivia e Miles, que também estudava comigo desde o fundamental, tiveram um relacionamento no ano passado que não durou muito após a garota descobrir que ele a traía com sua vizinha de vinte e três anos, e deixaram de se falar totalmente. Miles era do time de natação e sempre fora conhecido como um dos maiores "pegadores" do nosso ano. É óbvio que todos sabiam que o bebê era dele, mas nenhum dos dois nunca confirmou oficialmente. Olivia era estranhamente forte e segura quando se tratava de sua gravidez precoce, por isso conseguiu seguir até o fim das aulas, mesmo após a pequena confusão que seus pais haviam tido com nosso diretor sobre como ela com certeza deveria deixar a escola para se cuidar - a verdade é que os dois haviam surtado após saberem que sua pequena ruivinha engravidara enquanto ainda estava no ensino médio. Enfim, Olivia conseguia ser bem descontraída às vezes e parecia bem animada com o futuro nascimento da criança, embora seus planos épicos de cursar Yale ou NYU no ano que vem tivessem sido totalmente destruídos há nove meses.

- Sadie, oi, ainda bem que te encontrei. Está a maior loucura lá dentro e precisei sair quase carregada - brincou ela. Os cabelos ruivos meio quebradiços se formaram em um rabo de cavalo bagunçado. Os efeitos intensos da gravidez não a deixaram com a melhor das aparências nos últimos meses, mas tenho certeza de que Olivia estava pouco se importando com isso, já que os quase quatro quilos de peso em sua barriga sempre foram o ponto principal de suas preocupações. - Então, agora que finalmente terminamos o ano, eu precisava te contar algo bem importante.

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