Nós, Latente [CONCLUÍDO]

DEZ

Arrumei meu cabelo para trás quando uma brisa forte veio em minha direção de repente. A sensação de cortá-lo após anos era perfeita e inovadora, e ainda mais por ter raspado a lateral. Por um segundo, fechei os olhos com força e inspirei lentamente, sentindo o ar adentrando minhas vias respiratórias e o calor do Sol queimando minha pele de uma forma estranhamente confortável. Com uma afinação em um dos falantes, a voz suave de Celine Dion cantando Love Me Back to Life  começou à pedido do diretor Brown; é claro que ele aproveitaria sua obsessão pela cantora e nossa formatura para que sua playlist fosse tocada antes e depois do início da cerimônia como músicas de fundo. O enorme palco montado no extenso campo de futebol de nossa escola ainda não havia sido totalmente decorado com as duas cores do nosso emblema, verde e amarelo, com vários balões e a enorme faixa pendurada em colunas de ferro que sustentavam a base do palco, onde a frase Parabéns, Aos Formandos Da Turma de 2015! tornou-se chamativa pela grande quantidade de glitter azul sobre as letras grossas feitas com canetas permanentes por algumas garotas da equipe de líderes de torcida. Sobre o palco, o diretor Brown parecia preocupado com a chegada de nossa oradora que não chegara ainda, enquanto recitava os versos da música de Dion calmamente, também observando a chegada dos alunos e seus pais. Em cadeiras enfileiradas, aqueles já vestidos com suas respectivas becas, zoavam entre si esperando que anunciassem o início do evento. Alguns de nossos professores brigavam entre si - quase uma tradição ocorrida em todas as formaturas as quais precisavam ficar juntos, aturando as diferenças uns dos outros -, quando quase me dei conta de que entrei em um completo êxtase, fui acordada por Lyn que, animado em skate, agarrou meus braços, parando de frente para mim. Naya continuou se preocupando com sua aparência usando a beca, que de acordo com ela, o verde não combinava com a cor escura de seu cabelo - sem tirar os olhos do celular um segundo sequer, não parava de imaginar o porquê de Lucy ainda não ter chegado e nem mandado mensagem - e Nick se despedia da mãe, pedindo que a mesma parasse de chorar tanto desde quando havíamos chegado e que seguisse para as arquibancadas, como os outros pais e responsáveis fizeram.
Pude ver Nancy, Lizzie e Natasha ao longe, acenando para mim e agradeci mentalmente por nenhuma das três terem conseguido convencer ou convidar Kobe para se juntarem às elas comparecendo à cerimônia. Eu sei, é uma coisa terrível de imaginar: dois irmãos brigados por motivos causados por pessoas que nos deixaram sem nenhuma chance de reconciliação, quando o melhor a se fazer seria apenas perdoar um ao outro. Não, não é tão simples e, honestamente, não sei se planejava ver, falar ou pensar em Kobe tão cedo, principalmente agora que faltava dias contados para a minha viagem para a África. Cá entre nós, prefiro não falar tanto nisso agora também.

- O que acha de perturbamos Sidney e os caras do clube de teatro? - Lyn perguntou. - Luke disse que eles planejaram recriar uma cena de Titanic ou cantar uma música escrita em grupo. Seja como for, precisamos irritar todos antes que a cerimônia comece.

- Em cima disso aí? Não, mesmo - respondi, apontando para seu skate.

- Aí, não chame ele de "disso". E não é como se fosse a primeira vez. Não lembra que andávamos em grupo no parque perto da biblioteca?

- Não, não lembro mesmo - menti.

- Então, anda, vamos - Lyn gritou, deixando o skate de lado por um segundo. Sem me mover, ele fez com que eu subisse em suas costas e coraté o pequeno grupo formado em um círculo musical próximo ao palco. Não contive minhas risadas, apertando os ombros de Lyn com medo de cair.

- Ah, fala sério - reclamou Naya,em alto e bom som para Nick. - Como eles dois ainda não estão juntos? É ridículo o que não consegusse juntá-los.

- Bom, não é "o que", mas sim, "quem". Você sabe - retrucou meu amigo, revirando os olhos.
O clube de teatro se juntara à alguns alunos da orquestra para tornarem a tal "apresentação" planejada mais musical e expansiva, mesmo que na realidade, ninguém fosse querer realmente assistir meia hora da recriação da fatídica cena de Titanic, onde o navio está afundando, e Rose e Jack não param de tentar fugir da morte mesmo isso sendo impossível. A diretoria não poderia nem ao menos impedir que a cena não ocorresse, já que foi graças ao teatro e todas as suas peças chatas, que a escola conseguiu arrumar tanta grana o suficiente em poucos meses para compensar e garantir que tivéssemos um baile e uma formatura digna. Eu sei que deveríamos estar agradecendo ao grupo, mas perturbar aspirantes às atores dramáticos era bem mais divertido. Ainda agarrada nas costas de Lyn, pude ver o movimento na entrada do campo, podendo perceber então, que se tratava de Olivia, sem Trainor ou a pequena bebê Kimberly. Ao que parece, Oli pôde receber após passar o domingo inteiro no hospital mais a manhã dessa segunda-feira para participar da formatura, mas voltaria para o hospital no fim da cerimônia para deixar que a bebê Kim se adptasse mais ao nosso mundo poluído e barulho em paz.
Com a chegada de nossa oradora, todos se posicionaram em seus devidos lugares, sem mais conversas ou ensaios de cenas para recriar, a playlist de músicas da Celine Dion do diretor Brown precisou ser interrompida para os discursos feitos, e o mesmo se juntou aos professores - agora mais calmos, mesmo depois da pequena confusão entre eles - para o início oficial da cerimônia. No início do nosso último mês de aula, uma votação foi feita em todo o último ano para que escolhêssemos alguém que estivesse disposto à assumir o difícil posto como orador. Toda a ideia de ficar de frente fazendo um discurso tocante e ao mesmo tempo motivador para um monte de pessoas, pais, alunos e professores, conseguia assustar todo mundo em todos os anos letivos que chegavam ao fim. Responsabilidade e confiança não era muito o forte de nossos alunos. Nesse ano, Lucy foi escolhida com um recorde de votos inexplicável, começando bem seu trabalho chegando pelo menos uns dez minutos atrasada com sua família em um um número extenso: seus pais, os três irmãos e a avó, uma senhora cubana agressiva e emocionada por ver a neta mais velha finalmente se forma.
Lucy subiu as escadas do palco com certa dificuldade por conta da altura de sua base, tropeçando em seus próprios saltos e esbarrando e uma pequena junção de balões presos e uma pilastra. Correu até o microfone posicionado no centro do palco, pedindo desculpas pelo atraso e seu jeito atrapalhada. Naya, sentada ao meu lado, pareceu animada e emocionada com a namorada, enquanto eu precisei tentar parar que Lyn deixasse de apreciar e observar a lateral da minha cabeça raspada, ainda impressionado com toda a mimha transformação.