Capítulo 1
A campainha tocou ininterruptamente. Era como se alguém tivesse largado o dedo sobre o botão despreocupadamente, ao mesmo tempo em que revelava sua urgência em ser atendido. Os instantes nos quais fiz essas análises foram suficientes para me despertar do décimo quinto sono no qual estava inserida.
Afastei meu edredom azul de balões — é, mesmo sendo verão, eu usava cobertor — e levantei da cama, deixando os chinelos de lado. Caminhei apressadamente na direção das escadas, ainda com os olhos um pouco embaçados, quando o barulho cessou. Do segundo andar, espiei a porta sendo aberta.
O que minha avó estava fazendo ali tão tarde? Ou tão cedo, se você for daqueles que consideram a madrugada como manhã.
— Mãe, está tudo bem?
Escondi-me na parede entre o segundo e o primeiro andar, onde a escada fazia uma pequena parada. E vi quando minha mãe encarou a mala da minha avó largada sobre o tapete, do lado de fora da nossa casa. Notei a estranheza em seus olhos, refletidas também nos meus. Se minha avó estivesse vindo ficar conosco, a mala teria sido carregada com ela para dentro. Se estava fora...
— Você precisa me prometer que contará tudo a ela — minha avó suplicou, apesar de sua voz conter uma ordem implícita.
— A senhora sabe que não farei isso. Não sou capaz e fiz de tudo, durante esses anos, para que ela pudesse viver em paz e longe disso. Não vai ser agora que mudarei de opinião. — Minha mãe foi categórica, no entanto, seus olhos não saíam da bagagem sobre o tapete.
— Fiz o máximo que pude — minha avó comentou, chorosa. — Mas temo que não serei capaz de fazer mais. Chegou a hora dela. — Minha mãe levou as mãos a cabeça, bagunçando violentamente seus cabelos castanhos, num tom um pouco mais escuro que os meus.
— Isso é uma...
— Sim, minha filha — minha avó a interrompeu e lhe deu um abraço forte. — Está nas suas mãos se ela andará por uma corda bamba com os olhos vendados ou não. Pense nisso.
Estava tão apreensiva com aquela conversa atípica que nem me dei conta do momento exato no qual as duas se afastaram e minha avó começou a caminhar na direção da escada. Ela tinha que percorrer ainda a sala de estar, concedendo-me uma distância boa para que eu retornasse a minha cama sem ser notada.
Deitei-me embaixo do edredom cheio de balões, presente de Júlia, a minha avó que entrava no quarto no exato instante em que eu fechava meus olhos, simulando meu sono. Meu coração batia mais rápido que o normal devido a minha fuga de volta para o quarto e, talvez, ela notasse. Minha avó era a pessoa mais perspicaz que eu conhecia. Nada lhe escapava.
Senti sua mão sobre meus cabelos. Seus dedos já enrugados da idade avançada, sua pele frágil roçando delicadamente na minha testa. Sentia-me mal por não abrir os olhos, por mentir para ela. Mas eu não queria ter sido indiscreta, não queria ter ouvido aquela conversa. Muito menos que elas soubessem do meu testemunho.
Adeus, Kate.
Ela sussurrou segundos antes de depositar um beijo em minha cabeça. Senti sua mão empurrando algo para debaixo do meu travesseiro com certa dificuldade. Virei para o lado oposto, tentando facilitar sua tentativa e, logo depois, senti seu peso sumir da cama, ouvi seus delicados passos na direção do corredor e o baque surdo da porta sendo fechada.
Abri os olhos e observei discretamente ao redor. Sem me movimentar. Minha avó realmente tinha saído. Sentei na cama e tateei embaixo do travesseiro. Um envelope amarelo?! Ela tinha me deixado uma carta? Mala, carta, um pedido. O que estava acontecendo?