CAPÍTULO 2

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Capítulo 2

O pesadelo foi desvanecendo gradativamente conforme eu ocupava a minha mente com as coisas da faculdade. Eu não tinha muito tempo para descansar porque estávamos na semana de provas e, durante o período da tarde, eu tinha o núcleo de prática jurídica, no qual precisava atender clientes de baixa renda. Além de lidar com o meu ex-relacionamento aberto, Gustavo. Sentia vontade de revirar os olhos só de pensar no nome dele.

Pois é... Gustavo não conseguia entender como eu não queria namorar o deus grego de cabelos loiros cacheados e olhos esverdeados. Parecia um crime alguém em sã consciência não desejar um relacionamento sério com o cara mais bonito de Forecast. Tá, o bairro é pequeno, a cidade também, e eu não estava muito interessada em olhar todos os homens para confirmar, porém, podia apostar que existiam outros mais bonitos. Além do que, a arrogância em se achar o melhor, deixava-o feio.

Não sou alguém viciada em amor, aquela mocinha que se apaixona perdidamente, que se declara e se sacrifica. Exatamente o contrário. Eu fujo. Meus pais formavam o casal mais lindo do mundo até que ele morreu, e o coração dela se quebrou em tantos pedaços que sou capaz de ainda pisá-los, andando pela nossa casa. E não me acho forte o suficiente para superar uma dor como a dela. Se não fosse a mãe de Lola, arranjando um emprego para minha mãe, eu não sei como ela estaria atualmente. Não sei se estaria.

E o meu erro foi ter cedido às investidas de Gustavo. Éramos amigos desde que nos entendíamos por gente, mais ou menos aos sete anos, e entre uma saída e outra, acabamos nos beijando uma, duas, três vezes até que os beijos se tornaram comuns em nossos encontros em grupos, até que os sentimentos se confundiram. Eu ainda queria apenas a amizade; Gustavo me queria. E havia perdido a sua amizade. Além de ter comprado uma inimizade com Sofia, sua irmã.

Desci do ônibus com Juliana e Raquel, duas colegas do curso, bem na entrada do parque de Forecast, onde seria realizado o evento beneficente organizado mensalmente pela Prefeitura e pela nossa faculdade — a única da cidade. A arrecadação da festa daquele dia seria doada para um abrigo de animais. E logo nos separamos. Primeiro porque parecíamos estar indo a lugares diferentes. Enquanto elas estavam super maquiadas, eu havia apenas retocado a base e contornado os meus olhos com o lápis. Enquanto elas estavam com vestidos próprios para uma boate ou algo parecido, eu usava uma blusa de manga curta rosa, uma calça preta justa e minhas botas sem salto preferidas. E analisando o modo como elas saíram andando pelo gramado do parque, podia ter quase certeza de que a minha escolha era a mais confortável.

O clima estava migrando do verão para o outono porque já estávamos no final de março e, por isso, as chuvas vinham se tornando mais constantes como tinha acontecido nas primeiras horas do dia. Assim, minhas botas tinham muito mais resistência diante da grama molhada e que afundava um pouquinho conforme andávamos sobre ela.

Passei pelo portal decorado com folhas alaranjadas, fiz uma pose rápida e despretensiosa para a fotógrafa, e segui à procura da barraquinha de doces, onde marquei de encontrar Jane e Lola. Não seria difícil de achar, pois havíamos ajudado em muitas tarefas por ali em troca de horas complementares em nossos cursos. A faculdade sempre dava uma forma de nos ensinar como ajudar voluntariamente — só que não. Bem, eu ajudaria de qualquer forma.

Jane estava na fila, elegante como toda a vida. Os cabelos estavam presos em um coque, deixando pequenos fios escaparem como se não tivesse sido de propósito. E usava um macacão social e verde. Jane tinha uma adoração por essa cor. Às vezes, eu achava que era pelo fato de ela não ter herdado os olhos verdes do pai. Embora, secretamente — não tão secretamente assim —, eu achasse seus olhos cor de mel muito mais bonitos. E eu apostava minhas fichas de que ela estava apenas comprando uma fatia de torta. Nada de comer muito, mesmo depois de ter passado o dia todo estudando e trabalhando.

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