Capítulo II - Tarefas, DCAT e uma certa tendência a atrair problemas

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Pontualidade certamente não era o forte de Gillian Lestrange. A garota, com tão pouca idade, já havia perdido as contas de quantas vezes em sua vida havia se atrasado para algum evento ou compromisso importante. Podia selecionar nos dedos as pouquíssimas vezes em que foi pontual de verdade e aquilo facilmente se assemelhava com raridade.
Foi pensando exatamente nisso que a Lestrange corria de forma desengonçada até o local onde Snape ministraria a primeira aula de Artes das Trevas — a qual ela já deveria estar presente — e muito longe de sua postura imponente habitual, naquele momento, Gillian estava envolta à enrolação que o atraso lhe trazia.
Em poucos minutos, desceu o que lhe pareceu ser um infinito lance de escadas, quando finalmente chegou à porta da sala de aula. Gillian ajeitou suas vestes, tendo a certeza de que todos os botões da camisa estavam devidamente fechados assim como a postura da capa que cobria todo o restante de seu corpo.
Deveria ser neutra em relação às cores e brasões que utilizaria — assim como todos os professores —, mas não conseguiu se conter naquele dia e resolveu que o verde lhe cairia esplendorosamente bem em sua gravata.
Sorriu, dando os últimos retoques, pronta para abrir a porta, se esta não tivesse sido aberta antes por...
— Engraçado, achei que tinha deixado explícito o horário das aulas na noite anterior, Senhorita Lestrange — Snape proferia, sarcasticamente, a Gillian, que rolava os olhos.
— Qual é, não é minha culpa se o fuso horário de Hogwarts foge dos meus padrões — resmungou, passando por Snape e adentrando finalmente a sala de aula.
Olhares curiosos caíram sobre si enquanto a garota seguia em direção à mesa que havia sido colocada ao lado da escrivaninha que pertencia ao professor. Era um misto de curiosidade, surpresa por ela ter chegado levemente atrasada a uma aula de Severo Snape e ainda assim ter sido aceita, além do receio que apenas o sobrenome Lestrange poderia trazer. Era como se esperassem que, a qualquer momento, a própria Bellatrix entraria pela mesma porta, seguida por uma horda de comensais da morte.
Gillian podia jurar, inclusive, que se ela se virasse na direção de um dos alunos e fizesse menção de lançar algum feitiço, este teria efeito apenas pelo medo que ela causava. Assim como qualquer outra palavra que ecoasse de seus lábios. Aquilo era engraçado, de uma certa forma, e ela se segurou para não o fazer. Só ela sabia do quanto estava precisando de algo realmente capaz de lhe divertir naquele castelo.
— Agora que a Senhorita Lestrange teve a decência de se juntar a nós, podemos dar seguimento à nossa aula — Snape se pronunciou, atraindo parte da atenção dos alunos de volta para ele, já que alguns ainda não conseguiam conter o espanto em ter mesmo aquela garota em sala de aula.
— De nada, tio Snape — Gilli deixou escapar, em um tom baixo, mas ainda assim audível pelo professor, que, por hora preferir ignorá-la, pigarreando para tomar a atenção completa da turma para si.
— As Artes das Trevas são muito variadas, inconstantes e eternas. Combatê-las é como combater um monstro de muitas cabeças, no qual, cada vez que cortamos uma cabeça, surge outra ainda mais feroz e inteligente do que a anterior. Vocês estão combatendo algo que é instável, mutável e indestrutível — fez uma pausa, observando cada um dos adolescentes presentes naquela sala. Gostava de notar o impacto que suas palavras causava em alguns deles.
Com uma expressão indecifrável, os olhos de Snape passaram por Gillian, que sustentou o olhar do mentor de forma firme ao mesmo tempo em que admirava as palavras ditas pelo homem. Não havia como negar que concordava com cada uma das definições que foram apresentadas, exceto que Gillian não tinha realmente interesse em se defender contra as Artes das Trevas. Já havia as abraçado como uma velha amiga. Se existiu algo que a garota realmente temeu antes, foi de um dia ser poderosa além da medida.
Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentosa ou incrível?
Bem, a verdade era, quem era ela para não ser tudo isso? Ela era Gillian Lovelorn Lestrange, uma bruxa poderosa, sim, e aquele tipo de medo não lhe servia de nada.
Voltou sua atenção para o discurso de Snape e conteve um sorriso travesso.
— Suas defesas, portanto, precisam ser flexíveis e inventivas como as Artes que vocês querem neutralizar. — Enquanto explicava, alguns passos eram dados em volta da sala, certificando-se de que todos prestavam a devida atenção. Discordava da presença de alguns ali, pois tinha certeza de que não eram competentes o suficiente, mas não havia muito que pudesse fazer, por hora. — Creio que os senhores são absolutamente novatos no uso de feitiços não-verbais. Qual seria a sua vantagem?
A atenção de Gillian se voltou prontamente para uma mão que se ergueu no ar, tão ávida que fazia parecer que a vida de quem a levantou dependia disso. Com curiosidade, a Lestrange analisou os traços ansiosos da menina, achando graça de seu desespero em responder.
Snape não lhe concedeu a palavra de imediato. Em vez disso, aguardou calmamente por algum sinal de que outro aluno responderia. Gillian não fazia muita ideia de quem era a menina dos cabelos cheios, mas lembrava de tê-la visto à mesa da Grifinória, junto a Harry Potter.
— Muito bem... Senhorita Granger? — a voz de seu mentor ecoou, secamente.
— O adversário não pode prever que tipo de feitiço a pessoa vai realizar, o que lhe dá uma fração de segundo de vantagem.
Involuntariamente, Lestrange sentiu seus lábios se curvarem em um sorriso. A menina estava absolutamente certa, claramente.
— Uma resposta decorada quase palavra por palavra, mas correta em sua essência — Snape comentou, em tom de menosprezo e quando uma risadinha debochada fez-se ouvir, o olhar de Gilli foi atraído para a presença de Draco Malfoy.
A expressão de quem tinha adorado aquela resposta do professor estava estampada nas feições do rapaz.
— Como se você fosse capaz de responder algo a altura, não é, Malfoy? — Gillian murmurou, mais para si mesma, controlando o ímpeto de dizer aquilo em voz alta e atrair os olhares de todos mais uma vez em sua direção.
Algo na expressão debochada de Draco lhe deixava agitada e tudo o que ela queria era poder desfazê-la.
Novamente, Severo Snape havia escutado o comentário da garota e dessa vez resolveu que iria puni-la pelo atraso em sua primeira aula, por mais que ela não fosse apenas uma aluna qualquer.
— Talvez queira compartilhar suas confabulações, senhorita Lestrange — chamou por ela, que o fuzilou com o olhar por alguns segundos, sem acreditar que Snape havia mesmo lhe cedido a palavra.
Pelo canto do olho, Gilli notou o sorrisinho de Malfoy aumentar. Abriu a boca para responder, mas acabou interrompida por seu mentor.
— Ou, ainda melhor, uma demonstração do que estou tentando dizer viria em perfeita hora. Vejam bem — se virou para os outros alunos, enquanto Gillian rolava os olhos e se colocava de pé — nem todos os bruxos conseguem executar feitiços não-verbais. Eles exigem uma concentração e poder mental que alguns não possuem. — Ali, a garota pôde jurar ter visto o olhar de Snape recair sobre Potter. — Lestrange. — Era a deixa para que ela prosseguisse.
— Snape — a garota retorquiu, virando-se para o professor, sentindo que sua punição não acabaria assim, de forma tão simples.
Severo Snape puxou sua varinha de uma forma rápida, que não teria sido notada por qualquer um dos alunos, já que um feitiço fora executado no mesmo instante. Gillian Lovelorn Lestrange, no entanto, havia sido tão veloz quanto, e em questão de segundos, não só havia bloqueado o ataque com um feitiço escudo, como lançou-lhe o feitiço estuporante, tudo isso com tanta graça que seus cabelos pareciam esvoaçar em um ritmo quase dançante. Seu mentor, obviamente, havia também bloqueado o ataque e o olhar desafiador dele se transformou em um de quem escondia o orgulho de sua aprendiz.
Naquele momento, os alunos novamente estavam com seus olhares fixados sobre a garota. Mas, dessa vez, a curiosidade e o receio haviam perdido o lugar para uma certa admiração e aquilo era para cada um deles — especialmente aos alunos da Grifinória — um sentimento estranho para se ter com um Lestrange.
Porém, teriam que admitir, ela era fascinante e, por uma fração de segundos, até mesmo Longbotton pensou que se adaptaria muito melhor a Gillian do que a Snape.
Embora a Lestrange esboçasse uma expressão benevolente ao terminar de conjurar o feitiço recém demonstrado por Snape, algo em sua postura indicava que uma travessura estava prestes a acontecer. Como se, a qualquer momento, fosse atacar novamente, e era exatamente esse o intuito daquele tipo de prática.
Malfoy fazia parte do grupo de alunos que não conseguia parar de olhar para Lestrange. Pelo jeito imponente da garota, os tons de arrogância e o fato de que ela havia sido treinada parcialmente por Bellatrix Lestrange, ele já tinha alguma ideia de que Gillian seria, no mínimo, brilhante. Ele só não imaginava que fosse gostar tanto disso e de assisti-la no ato.
Alguma parte dentro de si desejou, inclusive, vê-la executando feitiços mais vezes. Por mais que aquela prática exigisse concentração, a garota fazia parecer algo extremamente simples, passando uma confiança que acabou até mesmo refletindo nos outros alunos e, odiava admitir, nele mesmo.
Essa mesma confiança, no entanto, ruiu quando Snape ordenou que eles se separassem em duplas e passassem a praticar os feitiços mudos.
— Bons reflexos, Lestrange — o mentor murmurou, ao cruzar o caminho de Gillian.
— Tive bons tutores — Lovelorn admitiu, passando a imitar os gestos de Severo, passeando pela sala enquanto observava os alunos.
Estava claro que nenhum deles havia realizado aquele tipo de feitiço antes. Muitos iniciaram confiantes de que conseguiriam, mas então passaram a enrolar e até a murmurar os encantamentos em vez de dizê-los em voz alta.
Aos dez minutos da aula, Granger conseguiu repelir o Feitço das Pernas Bambas, que havia sido murmurado por Neville Longbottom, sem pronunciar uma só palavra, o que fez com que Gillian abrisse um sorriso em aprovação. Vendo, no entanto, que Snape a ignorou, a aprendiz deu alguns passos, chegando próxima à evidente sabe-tudo.
Normalmente, Lovelorn se irritava com aquele tipo de aluno. Em seus tempos de escola, tudo o que ela desejava era executar um feitiço silenciador permanente quando seu antigo colega respondia às perguntas feitas pelos seus professores. No entanto, por algum motivo, sentiu uma certa simpatia por aquela garota em especial.
— Muito bem, Granger — sussurrou o elogio, recebendo um olhar surpreso da menina, seguido por um sorriso.
— Obrigada — Hermione agradeceu, Gillian lhe lançou um aceno de cabeça e então continuou a circular pela sala.
Há alguns metros delas, Draco Malfoy praticava os feitiços com Pansy Parkinson, mas esta se afastou de prontidão quando viu que Lestrange se aproximava.
— O que foi agora? — o Malfoy questionou, em tom de impaciência ao ato da colega, até notar a proximidade de Gillian. Ignorou o máximo que pôde as reações que lhe foram causadas, sentia-se um completo idiota naquelas situações. — Ah, é você.
O tom de desprezo na voz dele fez Lovelorn sorrir.
— Sim, sou eu, linda e plena. Vou te dar uma oportunidade de ouro, Malfoy. O que acha de praticar comigo? — manteve o sorriso, o encarando daquele jeito travesso que fez com que o rapaz se sentisse incomodamente atraído.
— Por quê? Pansy é minha dupla — questionou, mesmo sabendo que a oferta da mulher não abria espaço para um não.
— Porque Parkinson é estupidamente inútil. Concentração não é o ponto forte dela e o poder mental também é questionável — Gillian respondeu, sem nem se importar com a presença da garota ou com o fato de ela estar ouvindo tudo.
— Ei! — a ouviu resmungar, então fez apenas um gesto com a mão que segurava sua varinha, assustando Pansy, que se calou imediatamente.
— Eu não quero praticar nada com você, Lestrange — Draco insistiu, fuzilando-a com o olhar.
— Vai ficar aí reclamando feito um garotinho, Malfoy? Ou vai me atacar de uma vez? — cortou o drama e, apontando sua varinha em um gesto rápido, lançou-lhe um feitiço para desarmar.
Draco se assustou ao ver a varinha voar de sua mão e tomou impulso para pegá-la de volta, conseguindo resgatá-la ainda no ar.
— Pelo jeito, andaram se enganando com você, Draquinho. Estou vendo que não é grande coisa, não — Gillian provocou, fazendo com que o rapaz apertasse as mãos com força.
Reunindo a maior quantidade de concentração que podia, ele encarou os olhos de Gillian, ignorando a sensação de que seu corpo estremecia com aquele eterno tom de quem aprontava alguma coisa. Então proferiu mentalmente o feitiço para desarmar o oponente.
Se lhe perguntassem segundos antes, Draco diria que não conseguiria realizar o feitiço não-verbal, não com Gillian Lestrange ali, lhe encarando em desafio. No entanto, o rapaz não se surpreendeu completamente quando conseguiu executar o feitiço com exatidão. Ele estava mais determinado do que nunca a derrotar aquela garota.
Lestrange foi rápida, conseguindo executar um feitiço protego sem muito esforço. Então, como havia feito com Snape, tentou contra-atacar Malfoy, que imaginando que ela repetiria o gesto, já estava pronto com outro feitiço defensivo.
— Você aprende rápido, Malfoy. Eu gosto disso, honey — Gillian murmurou, de um jeito que deixou Draco levemente desconcertado.
— É a vontade de me livrar de você — respondeu, por pura birra e implicância.
— Então terá que tentar mais, meu bem. Porque eu não irei a lugar algum — piscou para Malfoy, que precisou se conter para não engolir em seco.
Aquela garota estava acabando com ele.

ϟϟϟ

Do outro lado da sala, Rony Weasley parecia prestes a explodir de tanto que encarava Potter, com seus lábios espremidos em concentração e o rosto tão vermelho a ponto de combinar com seus cabelos ruivos.
— Patético, Weasley — Snape comentou, ao chegar perto dos dois. — Deixe-me mostrar para você...
Rapidamente, ele virou a varinha para Harry, que entrou em estado de alerta e, completamente nervoso, gritou um feitiço de proteção tão forte que fez o professor se desequilibrar e bater em uma carteira.
Mais uma vez, a turma inteira focou seu olhar em um ponto só. Dessa vez, era em Snape, que se levantou com a cara amarrada, enquanto Gillian se empertigou de onde estava, preparando-se para agir, caso fosse necessário, afinal, Severo Snape era seu amigo e mentor. Como aprendiz, era seu dever lidar com situações como aquela.
— Você está lembrado que eu disse para praticar feitiços não-verbais, Potter? — a voz de Snape carregava, como sempre, todo o seu desprezo pelo garoto.
— Sim — Harry respondeu, inflexível.
— Sim, senhor — Snape frisou, e aquilo fez com que Gillian arqueasse uma sobrancelha ao observar a cena. Na verdade, todas as atividades haviam parado para aquilo.
— Não é preciso me chamar de "senhor", professor.
Vários alunos ofegaram com aquela resposta, temendo o que aconteceria, mas Gilli não conseguiu se conter, soltando uma gargalhada.
— Mas que audácia, Potter — cutucou, se aproximando um pouco do garoto. — Assim vou querer andar com você no lanche.
— Detenção, sábado à noite, meu escritório — Snape sibilou, ignorando o comentário da Lestrange.
— Considere-se agraciado, porque merecia mais do que detenção — ela estreitou os olhos para o rapaz enquanto caminhava até algum ponto diante da turma.
Gillian sentou-se sobre a ponta da mesa de Snape, recebendo um olhar de desaprovação com tal ato, mas mesmo assim ela não ligou e permaneceu sentada no mesmo lugar. Gilli afastou uma madeixa presa em seu rosto, colocando-a para trás da orelha e seus olhos percorreram toda a extensão da sala quando o sinal que indicava o final da aula ressoou.
— Acredito que por hoje é só, não é mesmo, querido professor Snape? — falou, enquanto chacoalhava os pés. Os alunos olhavam do professor para a assistente, sem ainda entender como aquela audácia dela não era repreendida, mas foram despertados ao chamar de atenção da garota.
— Bem, a aula se encerra por hoje, jovens — disse, de maneira pouco formal, mas que ainda dava a entender que ela parecia mais velha do que os demais naquela sala, apesar de ter apenas dois anos a mais do que algum deles. — Sei que não vão se importar, mas é crucial que saibam... Vocês superaram as minhas expectativas. Fico feliz que ninguém tenha se machucado ou morrido. Bem, pelo menos, não hoje.
Sorriu travessa, piscando para Malfoy, que estava menos branco e mais rosado do que nunca.Os outros alunos nem mesmo o zoaram, pois estavam atordoados demais com aquela frase.
Definitivamente, estavam ferrados.

Unholy Darkness || • Draco Malfoy HPOnde histórias criam vida. Descubra agora