E, foi assim, rodeada de cartas abertas e de comida chinesa, que reli a sua última carta. Coloquei os hashis de volta na caixinha, limpando uma lágrima solitária que desobedecia todos os comandos do meu corpo. Não queria chorar. Prometi à ela e à mim mesma que não convocaria meu pranto, fomentado pela tristeza de minha alma por não a tê-la.
A última carta havia sido entregue há algumas semanas. Uma por mês, diziam eles. Era tudo o que eu tinha direito. À ela, não era permitido quaisquer ligações e, mesmo se pudesse, morava muito longe, onde não era possível encontrar até o mais ordinário sinal de telefone. Cartas, apenas. Elas chegavam em montes, pois tinha tempo para me escrever todos os dias. Tinham, sempre, 31 cartas em um grande caixote, selado por fitas adesivas e decorado pelos mais diversos selos. Cada carta para cada dia que o carteiro não ia. 31
Éramos felizes. Tínhamos tudo o que precisávamos para sermos felizes. Uma casa em uma pequena cidade no sul da França, dois filhos incríveis - Olívia e Sebastian, irmãos deixados em um orfanato do centro, rapidamente adotados por nós. Além disso, um enorme cachorro bege, extremamente peludo e um tanto fedido, e uma pequenina gata recém-nascida, os quais nos alegravam todos os dias com suas companhias. Estava perfeito.
Porém, como dizem, felicidade é algo passageiro. Levaram-na, para longe desta vez. A comunicação era ineficaz e a saudade já não cabia mais no peito. Meu corpo implorava pelo dela. Pelo seu cafuné antes de dormir, incorporado a um sussurro tranquilo de "boa noite". Pelo sexo quente e silencioso, sempre no horário de dormir das crianças, seguido por séries de "Eu te amo". Pelo beijo de despedida antes do trabalho, com gosto de café e nicotina, contida no seu cigarro matutino. Meu corpo implorava pelo dela e eu implorava por ela.
A campainha tocava, incansavelmente, me fazendo levantar da cama desarrumada. Vesti um short azul, folgado nas pernas, apenas para atender a porta. Era o carteiro, já previa. Sabia que as cartas eram datadas para o primeiro dia de cada mês e, assim, teria notícias do que acontecera no mês anterior.
O cabelo amarrado em um rabo de cavalo solto, deixando alguns fios loiros escaparem do aperto do elástico. Uma regata branca deixava amostra a alça roxa do sutiã velho e, os pés descalços cantavam com o piso de madeira, produzindo uma música já conhecida.
Destrancou a fechadura e abriu a porta. O caixote com as cartas estavam lá, porém, agora, não era o carteiro que o segurava. Era ela. Com um óculos de sol nos cabelos, servindo como uma tiara, uma preta jaqueta de couro e o mais lindo sorriso que já tive o prazer de ver.
- Achei que eu quem deveria entregar essa remessa.
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Constelações
RandomCada estrela compõe sua constelação, como cada palavra compõe estes textos. Uma a menos e tudo desmoronaria; uma a mais e nada seria igual. E, assim como cada constelação faz parte de seu todo, o céu, cada crônica é uma parte de mim. Formo, então, m...