Memórias

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Era julho e os ipês amarelos já enfeitavam as ruas da capital. Lá estava eu, sentada em um banco, apenas aproveitando a brisa que bagunçava meu cabelo, enquanto assistia as cores das flores realçando o azul do céu. A sombra das árvores faziam com que não estivesse tão quente, sendo completamente possível passar a tarde ali, apenas aproveitando a vista. E, assim, havia inúmeras pessoas ao meu lado e, em específico, um casal, já idosos, com os cabelos grisalhos e
risadas de crianças. Eles dividiam um sorvete e falavam sobre suas memórias, como se o tempo nunca tivesse passado para eles - e talvez realmente não tivesse.

Naquele momento, lembrei-me de você e de todas as nossas histórias. Todas as nossas confissões debaixo da coberta, falando baixinho para não acordar a sua mãe e todas as fotos tiradas na minha velha polaroid. Talvez eu ainda as tenha, guardadas no fundo do armário.

Lembrei de como nos conhecemos, no inverno, quando você me ajudou a sair da chuva em uma noite fria de novembro. Meu cabelo ainda era tão curto na época, mas isso não lhe impediu de tirá-lo da minha testa, debaixo do seu guarda-chuva azul, enquanto tremiamos por estarmos ensopados. Você me acompanhou até em casa, andando mais quadras que o necessário, apenas para que eu me sentisse segura. Lembrei de como me beijou, uma completa estranha, embaixo do prédio, separando nossos lábios apenas para que pudesse pedir meu telefone.

E você ligou, dois dias depois. Marcamos um café, em uma padaria francesa do outro lado da cidade, pois dizia queria que eu conhecesse mais da sua cultura. Você não era francês, tampouco qualquer parente marcante, mas dizia que alguém da sua família, um dia, já foi da França e, se não, garantiria que as próximas gerações fossem. Depois daquele encontro, saímos quase todos os dias, entre os períodos das aulas da faculdade.

Montamos nossas árvores de Natal juntos, uma para cada casa, e dançamos debaixo do pinheiro, nos esquivando dos pisca-piscas espalhados pelo chão. Você me deu um globo de neve e o colocou em cima da mesa de centro, apenas para dizer que contribuiu com a decoração daquele ano. Naquela noite, você disse que me amava. E talvez fosse por conta do vinho, mas seus olhos castanhos transbordavam em sinceridade. Fizemos amor incontáveis vezes durante a madrugada, mesmo que o maior prazer não fosse o ápice, e sim como nossos corpos eram perfeitos um para o outro. Conheci seus amigos no final do mês, em uma confraternização de fim de ano. E, mesmo que todos estivessem extremamente embriagados, todos se certificaram que eu me sentisse acolhida.

E, no Natal, fomos até a casa da sua avó, para jogar bingo. Dançamos músicas antigas no meio de todos os outros idosos, enquanto eles batiam palmas para os nossos movimentos. Eu usava um vestido azul e um pequeno salto, quase como tivesse saído de um livro dos anos 50. Você disse que eu era linda. E eu acreditei.

Não lembro realmente quando as coisas começaram a dar errado. Talvez, por não ter percebido nenhum dos sinais. Brigamos em janeiro. E em fevereiro. Você levou as suas coisas da minha casa, apenas para voltar no outro dia. E nós transávamos para esquecer dos problemas, tentando prolongar um relacionamento que não estava mais funcionando. Terminamos em março, alguns dias depois do seu aniversário. E, aquele momento, quiçá, tenha sido o mais doloroso de toda a minha vida. Saber que nós não estávamos felizes era torturante. Nós nos beijamos pela última vez na minha porta, ambos em prantos, enquanto fazíamos a decisão que saberíamos que nunca mais poderíamos mudar. E você foi embora, enxugando as lágrimas e nunca olhando para trás.

Já faz quase dois anos que você se foi. Os meus romances iam e viam, mas seu globo de neve sempre permaneceu no mesmo lugar. Nunca tive a coragem de tirá-lo de lá, mesmo após o Natal. E, apesar de todos os nossos problemas e todas as confusões, nunca amei ninguém como amei você. Talvez não fossemos feitos para durar, igual ao casal do banco, mas nosso amor sempre será eterno. Eterno em todos os restaurantes franceses e no globo de neve em minha sala. Será eterno como as fotos de minha polaroid e os ipês amarelos da cidade. Você será eterno em mim, assim como minhas memórias de nós dois. Pois todos os momentos que passamos juntos são minhas memórias favoritas.

Você é a minha memória favorita

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