18- NOAH

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- Hoje é o último dia que vocês vão me ver aqui. - declaro aos meus amigos da escola de música

- Como assim? - Emilly, a garota de tranças interroga, intrigada

- Mês que vem vou começar a me preparar pra a faculdade de música. - eu expliquei e todos balançaram a cabeça. Eu fui um dos primeiros a entrar quando ela começou. Eles só davam aulas de violão e piano e os alunos eram eu, Travis, Dylan e James quando ainda éramos amigos. Aí foi  crescendo e se tornou um prédio. Não aqueles colossais mas também não era mixuruca. Agora conta com todo tipo de arte que envolve música. Dão aulas de vários instrumentos e até de dança. Eu estudei lá por 5 anos ou mais.

- Daqui uns meses eu vou sair também. - Travis anuncia.

- Queria ter a sorte de vocês! Noah e Travis querem trabalhar produzindo músicas, Emilly vai entrar para uma banda de garotas e eu, vou ter que continuar trabalhando de caixa na mercearia da minha família. Eu nem sei o que vai ser do meu futuro, sabe?- Cameron tinha uma feição triste no rosto

- Que pena, cara. Espero que encontre seu caminho- Travis tenta reconfortá-lo, enquanto o resto do pessoal diz um "É!"  em coro.

- Valeu pessoal- um sorriso sem graça surge no rosto do garoto de cabelos longos 

Sra Camargo, nossa professora de violão chega à sala :

- Ok, galera... Podemos voltar àquilo que estávamos fazendo? Vocês estavam me apresentando suas dúvidas- ela dá uma pequena pausa, senta em sua cadeira e continua - Algum de vocês quer tirar uma dúvida...?

Logo Henry se pronuncia:

-Eu!

- Certo. Venha aqui! Qual a sua dúvida, querido?- diz a mulher, sorrindo 

Eu e Travis estávamos indo pra casa e, no meio de um assunto nosso, ele me questiona:

- Como foi a noite com seus pais e Alisha?

- Um desastre- eu murmurei, o garoto bateu os cílios e pude ver o espanto em sua face

Eu sorri e exclamei:

- No começo tava indo bem. Aí chegou a hora do jantar e meu pai falou o que não devia, como sempre.- bufo

- O que ele falou de mais? Não entendi muito bem.- diz o rapaz

Eu explico a situação ao meu amigo que fez caras e bocas, riu várias vezes, fez as suas palhaçadas e exclamações e por fim, disse:

- Mas vocês já fizeram as pazes. - sua sobrancelha levantou- Né?

- Não...- eu murmurei e o rosto do rapaz voltou a mostrar espanto

- Como assim, cara? Você vai ficar esperando pra pedir desculpas pra ele?- Travis se tornou um irmão mais velho à partir daquele momento

- Pelo quê? Se eu não fiz nada?- questionei. 

- Não importa. Você precisa falar com o seu pai. O cara É SEU PAI, você não tem medo de perder ele assim, de repente?

- Também não exagera...- resmunguei

- Só... só fala com ele. Ele precisa ouvir de você alguma coisa. Você gosta da Alisha?- murmurei um "gosto" e ele exclamou- Então demonstre isso. Conversando com seu pai. 

O silêncio paira entre nós dois e ele me anuncia:

- Preciso ir. A gente se vê, Urrea- sobe em sua bicicleta e começa a pedalar 

Eu aceno e balanço a cabeça. Enquanto caminho, as cenas daquela noite se reproduzem em minha mente:

- Ainda não passa pela minha cabeça que isso realmente aconteceu- a decepção cobriu meu rosto quando fechava a porta da sala em que Alisha havia acabado de sair

- Foi apenas um comentário. Só isso. - vi sarcasmo nos olhos do meu pai, que ria fraco ao dizer as palavras

- APENAS UM COMENTÁRIO? - foi aí que meu sangue subiu e foi dali pra pior

- Oh céus!- minha mãe murmura, ao perceber que a paz não iria reinar a partir daquele minuto

- AQUILO FOI UM DISCURSO DE ÓDIO DISFARÇADO DE... DE... AH EU SEI LÁ O QUE ERA!- começo a jogar os restos de comida na grande sacola preta em que segurava com muito ódio em meus olhos. Já estava sentindo meu rosto tenso, devia estar até vermelho

- Esses jovens de hoje em dia!- ele senta em sua poltrona e continua- Não aguentam nada! Tudo ofende!

- Você não faz ideia do que a família dela passou e ainda passa! Então pai, me desculpe mas você não tem o direito de dizer uma coisa dessas! - abro a lata de lixo da varanda, próxima à cozinha e jogo o saco com toda a força

- Ah, quer saber? Não vou discutir com você! É apenas um jovem, e qualquer coisa que eu disser serei o vilão da história! - ele aperta o botão "ligar" do controle remoto da TV

Já chegando em casa minha mãe me cumprimenta e eu tento retribuir seu ato carinhoso, mas eu já estava cansado e vendo que falhei dessa vez, subi ao meu quarto e não comi, não peguei no telefone,  nem no violão,  nem fiz nada. Apenas me joguei na cama e me esforcei para assimilar todas as sensações confusas. De repente peguei no sono. Fui dormir bem cedo.

Abrir os olhos naquele momento não foi a melhor decisão que tomei. Nem levantar da cama, tentar começar um dia naquela casa que exalava frieza, logo em dias quentes de verão. Me arrependo de sair do quarto e volto ao local, sento em minha cama bagunçada e pego o violão que estava perto dela. Passo meus dedos lentamente pelas cordas, não desejava  tocar uma música em específico. Só precisava de algo que me trouxesse paz. E o som que aquelas cordas faziam ao se encostarem, conseguiu trazê- la.

- NOAH! VEM TOMAR CAFÉ! - ouço minha mãe exclamar, provavelmente do pé da escada com uma caneca cheia de café na mão e vestida no seu roupão

- Já vou! - Não queria ir. Não queria descer e ter que olhar nos olhos de meu pai. Precisava de um tempo sozinho. Contra minha vontade, porém,  pus o instrumento de volta em sua posição e desci até a cozinha.

Os primeiros minutos estavam tão amargos quanto aquele café na caneca do papai. Ele estava lendo jornal, e respondendo secamente os comentários de minha mãe sobre o tempo, política e religião. Já eu, estava farto daquilo e, revirando os olhos, levanto da cadeira mas logo sou interrompido pela mão de minha mãe em meu braço, que sussurrava para que eu trocasse pelo menos duas palavras com o homem emburrado ao seu lado.

- Sobre aquela noite, eu ainda quero discutir.- declaro e meu pai olha espantado

- Não. Não quero brigar. Só que... eu queria dizer que eu realmente fiquei chateado com o que aconteceu.

- Ai não,  esse papo de novo! - meu pai reclama

- Marco, escute seu filho. Apenas, escute o menino- sinto paz nas simples palavras de minha mãe

- Prossiga, garoto.- meu pai pede friamente

- Estava indo tudo bem. O senhor estava sendo gentil com ela, estávamos felizes. Por que teve que fazer aquilo?- a tristeza habitava em meus olhos, e eu esperava que meu pai visse isso. Não que tivesse pena de mim mas, me compreendesse.

- Eu não achei que ela reagiria daquela maneira. Não achei que você reagiria da forma que reagiu. Ela, pelo menos se calou. Ao contrário de você,  que fez um escândalo assim que a moça saiu. Você gritou comigo e eu não admito isso. Eu sou seu pai. Mereço respeito. - ele declara e eu respiro fundo

- Ok. Mas, não conhecendo ela e nem a mim da forma que pensa que conhece,  poderia ter deixado seu comentário de lado. Evitaria minha reação que não te agradou. - suspiro- Eu não queria ter gritado com o senhor. Foi mal por isso. Foi mal mesmo. Agora o senhor viu a importância que Ali tem pra mim.

Ele logo se calou. A indiferença ainda estava em seu rosto. Minha mãe observa nós dois, dá um pequeno gole em seu café e exclama:

- Beleza! Quem vai tirar a mesa?- ela para um instante e depois, rindo, exclama- Rimou! É sério, quem vai tirar a mesa?

- Tira a mesa, Noah. Tenho que trabalhar. - meu pai levanta da cadeira e dá de ombros

Eu rolo os olhos mas obedeço sua ordem. Não por ele, mas pra ajudar minha mãe. Eu não estava mais com raiva dele. Mas também não conseguia olhar para o mesmo com carinho.

𝐀 𝐒𝐞𝐜𝐫𝐞𝐭 𝐋𝐨𝐯𝐞 | 𝚗𝚘𝚊𝚑 𝚞𝚛𝚛𝚎𝚊 (✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora