Uma Garota de Mil Cores

3

— Eu sei Noah, está faltando algo — digo concentrada, não me importando em sujar meu queixo com a mistura de tintas que coloriam as pontas dos dedos.

Olho mais uma vez para o meu projeto de arte. Eu já estava um pouco atrasada com o prazo para entregar aquela tarefa, mas enquanto olho o quadro que representa a minha família, não consigo identificar o elemento que aquele quadro está carecendo. 

Não quero entregar algo incompleto.

Olho pela janela e o céu ainda está bem escuro. Estamos em meio a temporada de inverno, e finalmente a chuva deu uma trégua. O tempo está frio e quando uma brisa entra pela janela da garagem, resolvi brincar um pouco com o Noah.

Ele adora pular dentre as poças de água que se formam no quintal e escuto meu pai gritar da cozinha para que tomemos cuidado pois o piso está escorregadio. Vejo com certa fascinação as pequenas poças de lama com pontos verdes flutuantes.

Noah não se importa de pular, rolar e brincar dentro dessas poças, me fazendo antecipar o banho que só daria nele no final de semana para hoje. Até que não me importo muito, já que com as responsabilidades com o meu cachorro eu tiro um pouco a cabeça do trabalho de arte que não estou conseguindo deixar do modo que desejo.

A noite chega e eu me conformo que entregarei aquele quadro daquele jeito mesmo. Vou até a garagem, seguido por um Noah limpo. Vejo o modo que ele olha para as poças de água que não há muitos minutos atrás ele se divertia.

— Nem mesmo sonhe mocinho! — e como se ele entendesse o que eu quis dizer, ele solta um chorinho baixo e começa a caminhar entre minhas pernas. Ele sempre faz isso quando está querendo algo de mim.

Pego o quadro com cuidado e vou caminhando com calma, já que Noah ainda está caminhando entre minhas pernas. Mas pelo menos ele não está se sujando novamente.

Só que então, pra meu desespero, vejo um gato caminhando calmamente no quintal. E claro, Noah também viu. Tento fechar um pouco mais as pernas para prendê-lo entre elas, mas ele é mais rápido e consegue sair.

Eu no desespero pra não deixar ele correr atrás do gato, acabo me atrapalhando com as pernas e o quadro, cai mesmo em cima de uma das poças de lama. Olho cheia de tristeza para o meu projeto, mas já vou me levantando, apanhando o cachorro antes que ele faça um estrago no gato.

— Noah não! — digo com dificuldades em mantê-lo em minhas mãos, já que ele late e se debate em meus braços enquanto o gato escala o muro da minha casa e desaparece segundos depois, mas não antes de eriçar os pelos e arreganhar os dentes.

Quando tenho certeza que o gato não está mais visível, coloco meu cachorro no chão, e ele apenas late mais uma vez para o muro e então volta a caminhar entre as minhas pernas.

— Não sei o que eu vou fazer contigo Noah... Você estragou a minha pintura! Agora ela deve estar toda borrada, e cheia de lama e sei lá mais o quê! — digo quase chorando, indo em direção ao quadro, que estava emborcado.

Ergo o quadro, com medo de olhar o estrago que foi feito. Respiro fundo, e ainda bem que fiz isso, já que a visão que tive da minha obra me tirou completamente o fôlego.

E não digo isso de uma maneira ruim.

A lama manchou completamente a parte superior da tela, e o que antes era um pôr-do-sol clássico com as cores comuns, agora era uma mistura de cinza, marrons com toques de verde, do que só imaginei ser musgo.

O ar foi roubado dos meus pulmões quando percebi que era aquilo que faltava em minhas pinturas... Quem disse que o céu tem que ser azul, o sol brilhante? Posso criar meu próprio mundo, minhas próprias cores!

— Noah, você é um gênio!! — digo descartando aquela tela e indo encher de beijos o meu cachorro que nem ao menos estava entendendo o que estava acontecendo, mas recebeu com entusiasmo meu carinho.

Corro para a garagem e depois de ajustar no cavalete um novo quadro, as cores explodem e parece que encontrei não só o que me completou, e sim, expandiu e transbordou.