Capítulo 3 - Falha consagrada

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Eduarda recebeu alta depois de algumas horas. Seus cortes na cabeça foram suturados. Ela se despediu dos seus pais, e acariciou o rosto de Wellington, fazendo a ele uma promessa: — Meu amigo... meu amor. Eu prometo que vou descobrir o que está acontecendo, para isso não machucar você, nunca mais. — E terminou a promessa, com um beijo na cicatriz costurada do rosto dele. Do lado de fora do hospital, os pais de Eduarda pediram para ela ter muito cuidado, e disseram que a porta da casa deles estará sempre aberta para ela.

Sabendo do endereço da igreja de Enzo Paulo, a pedreira foi até lá, encontrando uma igreja com capacidade para umas 200 pessoas, onde os fiéis se reuniram em um culto. O missionário fazia uma pregação no púlpito, e quando viu a Eduarda, ele fez uma breve pausa, espantado por ela estar ali, e continuou a sua rotineira pregação. Ao final do culto, quando todos os fiéis voltaram para as suas casas, Eduarda falou com o missionário: — Enzo Paulo, aconteceram coisas muito estranhas, e... meu amigo... ele... — Ele morreu? — Não diga uma coisa dessas! Ele está no leito do hospital, entre a vida, e a morte. — Corrigiu, Eduarda, sentindo muita tristeza, e medo de perder o seu amigo. — Sente-se, e me conte o que está acontecendo com você, minha cara Eduarda.

Eduarda se acalmou, e disse ao missionário tudo o que sabia. Ele abaixou a cabeça, decepcionado consigo mesmo: — Eu não fui capaz de mandar aquela criatura embora. Sou muito medroso. Deus, me perdoe por isso, por ter tão pouca fé. Mas, aqui você está segura. Essa é a casa de Deus. É um lugar consagrado, e nenhuma potestade infernal ousará entrar aqui. Deite-se um pouco. Aceita um chá? Vai te fazer bem. — Sim, aceito. Obrigada. — Vou fazer para você, em casa. Moro nos fundos dessa igreja. Volto logo.

O missionário saiu por uma porta lateral, e Eduarda o esperou, deitada no desconfortável banco de madeira da igreja, com um pé apoiado no chão, sacudindo a sua perna pela ansiedade, pensando em seu amigo doente. Ela ouviu o apito do bule, e em seguida, os gritos de dor do missionário. Se levantou imediatamente, e foi para a casa do missionário, o mais rápido que podia. O bule estava no chão, derramando água fervente, e um dos armários, caiu sobre o fogão, que o incendiava. O missionário estava na cozinha, de costas para ela, e gritava: — Meus olhos! Não! Não consigo ver mais nada! — Enzo! Temos que sair daqui, vem! — Ela puxou o missionário pelos ombros, e se horrorizou ao ver o seu rosto com queimaduras severas, a pele descolada da carne, e os olhos cegos. Ela pegou na mão dele, e o guiou até a igreja, enquanto aquelas mesmas rachaduras apareciam por todos os lados, as portas batiam, as janelas se estilhaçavam, e o piso cedia em alguns lugares, fazendo-os tropeçar. Antes de saírem da igreja, o missionário soltou a mão de Eduarda, e bradou, com a bíblia nas mãos: — ESPÍRITO IMUNDO! EU ORDENO, EM NOME DO MEU DEUS, QUE ME DIGA O SEU NOME! — Os alto-falantes produziram ruídos de microfonia, e a Eduarda puxou o missionário, chamando-o para fora da igreja, mas ele se recusou a sair, repetindo a ordem. Foi nesse momento, que uma voz surgiu nas caixas de som, dizendo a palavra "sou", e o missionário sentiu tanto medo, que perdeu a cor, e urinou nas calças, olhando para um ser que parou na sua frente, do chão, até em cima. Mesmo cego, ele ainda conseguia ver a criatura. E a voz dessa entidade completou a frase: — A DESTRUIÇÃÃÃÃÃÃÃOOOO!!!

Os vergalhões das paredes, e do teto, saíram do concreto, como lanças, e a Eduarda arrastou o missionário, na direção da porta do templo. Bem próximos da saída, uma barra de ferro transpassou o peito de Enzo Paulo. Outros ferros o atravessavam, e Eduarda não sabia o que fazer. Ele morreu com o braço estendido para ela, e o seu corpo foi rasgado pelas barras de ferro, que se afastaram umas das outras, violentamente, restando apenas alguns órgãos pendurados nos vergalhões. Um deles, era o coração, que ainda batia. Para não ter o mesmo fim de Enzo, Eduarda fugiu sem rumo, para longe daquela igreja. Não podia voltar para a casa dos seus pais, temendo pela vida deles. Ela se encostou na parede de uma escola, em uma rua deserta, e gritou, revoltada: — Seja lá o que você for, me deixa em paz! Maldita! Pare de me perseguiiiiiiir!

Mansão DemolidaOnde histórias criam vida. Descubra agora