O Sonho

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A sensação de nervosismo foi se dissipando a medida que o elevador descia, a cada instante ficando mais longe do apartamento. Mas como onda do mar, que quando recua deixa vestígio, a ansiedade da dúvida continuou lhe afligindo interruptamente.

Virou-se para o espelho do elevador, finalmente descobrindo a própria expressão, sentindo um pequeno núcleo de vergonha se esquentar dentro dele. Seu rosto era uma inquestionável expressão de surpresa, mas trazia em seus traços pouco marcados, um resquício de admiração. Não conseguiria descrever, se questionado, qual parte da sua feição lhe transmitia aquele sentimento.

Talvez os olhos, brilhantes, curiosos, quase alegres. Muito diferentes dos olhos opacos, sem esperança, que se espera de alguém que recebeu uma notícia ruim, como ele mesmo acreditava ter recebido. Talvez fossem as sombrancelhas, erguidas e expressivas, mas muito semelhantes às de alguém que abre um sorriso grande, do tipo que ilumina o rosto. E não as sombrancelhas erguidas que tendem para a raiva, como as de quem descobre uma traição.

Mas afinal, aquilo era uma traição?

A porta do elevador abriu interrompendo seu raciocínio, e também seu estudo da própria expressão. Uma vez que teve que desmanchar seus traços mais expressivos, para se misturar entre os demais transeuntes que encontraria, pela recepção e pela rua.

Andou para fora do prédio, um pouco perdido, sentindo um sentimento alfinetar seu peito assim que pisou na calçada. Era uma vontade de voltar, um desejo de se acomodar no abraço de seus amigos, sentir o cheiro deles, o cheiro da casa, a sensação de acolhimento.

Mas seguiu caminho, um tanto desolado. Andou um pouco até chegar a um hotel conhecido, onde ficou alguma vez quando veio, isso claro, antes de receber o convite dos amigos para ficar na casa deles sempre que estivesse por lá.

Andava na rua lentamente, desatento ao que lhe cercava, levando até uma bronca de um motorista por atravessar a rua com o sinal aberto, e mesmo assim não dando a mínima. Não percebia as coisas ao seu redor, e por isso mesmo, não notou que estava sendo seguido.

Chegou ao hotel, alugou um quarto pela noite, e não trocando mais palavras do que o necessário com a atendente, subiu para o aposento. Chegando no quarto simples, identificou algumas coisas que estavam diferentes desde a última vez que passou por lá: no canto do cômodo havia um pequeno frigobar, e acima da janela, um ar condicionado.

Apesar de serem coisas legais, perceber elas acabou lhe deixando pra baixo, pois lhe faziam lembrar a quanto tempo não precisava ficar em um quarto sozinho graças aos amigos, e a saudade trouxe um sentimento melancólico.

Sentou-se na cama tirando a mochila das costas e na solidão silenciosa começou a pensar. Queria entender o que ele estava sentindo naquele momento, e quais as origens dos seus sentimentos.

Tentou lembrar da cena, desde que ele começou a ohar pela fresta da porta. Kaiser vestia seu pijama, uma conjunto quente de moletom macio, que lembrava muito um cobertor, azul escuro com desenhos de aliens e foguetes. Pensando nisso, também lembrava de ter visto um pijama muito parecido em cima da cama, porém esse era verde escuro, com desenhos de dinossauros. Ele lembrava daquelas roupas, os três tinham comprado aqueles pijamas justamente para ficar combinando.

Olhou para a mochila ao seu lado na cama, sentindo o coração se apertar e os olhos arderem sutilmente. Ele também trouxe seu pijama, vermelho e com a estampa do homem aranha. Que planejava usar hoje para passar a noite toda com os seus amigos, mas tudo indicava que dessa vez, estaria sozinho.

Olhou ao redor, procurando por algo para se distrair com urgência, tendo sua atenção capturada pelo frigobar. Andou até ele a fim de investigar se havia algo dentro, encontrando, para sua surpresa, diversos tipos de bebidas alcoólicas, cada uma com uma etiqueta de preço.

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