O Cohen

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O dia amanheceu lentamente. O escuro reinou sobre a cidade cinza e seus milhões de habitantes até pouco mais que nove da manhã. Mas o amanhecer tardio não era literal.

Aconteceu que, naquele dia, as nuvens escuras, misturadas a poluição sempre constante que cobria o horizonte, se acumularam. E só arrastaram pé quando um sol forte atravessou a barreira espessa, dissipando a escuridão que cobria a cidade.

E feito um pássaro qualquer, tão breve quanto a luz tomou conta do céu, os olhos de Joui se abriram. Ele sempre foi o tipo que acorda cedo. Muito mais cedo do que havia acordado hoje, inclusive.

Olhou para o lado, sentindo a cama mais quente do que o comum para que seu corpo fosse a única fonte daquele calor. E encontrou o rosto angelical e adormecido de Arthur.

Os lábios vermelhos por beijos intensos demais, e o pescoço coberto de marcas colorindo sua pele. Nú, atraente e pacífico. Perfeitamente celestial.

Sim, aquele era o seu Arthur.

Deixou um beijo em sua boca macia, e cautelosamente se desvencilhou dele. Queria poder ficar mais, porém tinha um compromisso a cumprir.

Se arrumou brevemente, fez sua higiene matinal, pagou o quarto alugado para mais um dia inteiro, e por fim deixou o amante adormecido, a caminho do apartamento.

Suas mãos suaram o caminho todo, e ele nem sabia direito o motivo. Estava terrivelmente nervoso. Como quando um amigo te puxa para falar algo em particular em meio a uma roda de conversa. Ele sentia que o assunto ia ser sério.

Não levou em seu percurso mais do que dez minutos, mesmo caminhando devagar, e lá estava de novo. Diante da mesma porta, que dessa vez estava trancada.

E o uso da chave não era a única coisa diferente. Joui também não era o mesmo Joui da última vez.

A entrada no apartamento foi calma, mas assim que pisou para o lado de dentro, sua paz se dissipou tal como as nuvens abaixo do sol forte. Sem que nenhuma agitação fosse necessária.

Fechou a porta atrás de si, e fitou o apartamento vazio, com um olhar expectante e ansioso. Não encontrando nada que indicasse que havia alguém lá. Exceto pelo som do chuveiro ligado, que vinha do corredor.

Engoliu em seco e deixou a mochila ao lado da porta, andando em direção ao som e encontrando a porta do banheiro entreaberta no corredor.

Uma camada fina de vapor quente escapava para fora do cômodo, e um cheiro bom de shampoo exalava dela. Uma voz encabulada cantarolando a abertura de algum anime parecia convidar o Jouki a se aproximar. E a aura daquele ambiente era a de uma sedução velada.

Andou, em passos lentos até a abertura da porta, sem saber ao certo o que estava fazendo. Se sentindo mais desarmado a cada passo.

A voz, o vapor, o cheiro, a visão da porta entreaberta chamando por si. Estava hipnotizado por tudo. Como quem se aproxima do ninho de uma ninfa, e pouco a pouco cai no seu encanto.

Respirando calmamente, parou ao lado da porta, pensou por um curto momento. Sabia o que iria encontrar do lado de dentro, era óbvio. Sabia do corpo nú, sabia dos cabelos molhados, sabia da espuma, sabia do vapor do banho excessivamente quente e da cantoria.

Cada nuance daquele momento, ele sabia.

Seu rosto corou e ele secou as palmas úmidas de suor nas roupas, espiando pela fresta, ciente do que fazia. Ainda que, se questionado, negasse todas as acusações.

Suas pupilas dilataram e seus olhos ficaram vidrados no mesmo instante que o encontrou.

O vapor nublava a imagem, mas o vidro transparente que separava o chuveiro do restante do cômodo, de tão úmido, não conseguia embaçar corretamente. E portanto Joui podia ver tudo.

Entre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora