Como uma mente ansiosa ganha vida

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Eu poderia descrever a poção mágica da ansiedade com muita facilidade. No mundo rápido e como disse Bauman, "liquido" (posso parecer inteligente por falar dele, mas juro que meu corretor ficou trocando pra Batman. Da pra imaginar o quanto eu estudei pra escrever isso né?), é fácil criar novas ansiedades só de respirar, como se uma daquelas criaturas mágicas inventadas pra criança passasse, e a cada pegada nascessem florzinhas. Ou morressem, você decide.

É recomendado que todo adulto durma pelo menos oito horas, no escuro e no silêncio pra que tudo fique OK. Quem consegue fazer isso? Dormir é o maior dos luxos, no silêncio é utopia. E por que dormir é luxo? Porque somos ansiosos, e ansiosos não dormem, e pessoas que não dormem ficam ansiosas.  Isso vira um ciclo sem fim, que nos guiará, a dor sem razão e etc.

Mas eu não quero falar da ansiedade "normal" que a maioria das pessoas tem, e por isso que eu não vou passar a receita mágica. A ansiedade que eu vou falar, é tão devoradora que come até mesmo o lado de fora da sua casa e aí você fica preso lá dentro do quarto enquanto ela se alimenta de você.

E pra isso, eu vou te apresentar a Aninha.

Quando a Aninha era criança, os pais dela se separaram, e enquanto a mãe cuidava dela, o pai tinha coisas melhores pra fazer.

Mas tudo bem, porque o pai da Aninha paga pensão pra ela, e ela tem o nome dele no registro, o que cerca de 5,5 milhões de crianças no Brasil não tem. Então a Aninha não vai ter o que dizer de ruim do pai, porque ele cumpre seu dever!

A mãe da Aninha conheceu um cara, que fingia que gostava da Aninha porque queria ficar com a mãe dela. Mas a Aninha não gostava dele. Problema é dela, a mãe merece ser feliz e esse cara nunca bateu nela nem olhou indevidamente pra ela, então ela não tem o direito de reclamar.

O pai da Aninha também conheceu outra pessoa, se casou com ela, e teve filhos. Todo mundo acha que a Aninha é má agora, porque já que ela não conversa com o pai, não tem motivo pra ir na casa dele ver os irmãos. Mas errada é ela, porque são os filhos que devem procurar os pais, mesmo que a vida toda os pais tenham fingido que eles são apenas um lugar pra depositar uma merreca de dinheiro.

Uma vez, a mãe da Aninha quis entrar na justiça pra fazer o pai dela mandar mais dinheiro. Ele disse que se o juiz mandasse ele dar menos ele não ajudaria com nada além do estipulado.

Apesar de ser muito inteligente e interessada por livros, Aninha era muito tímida. Ela não gostava de multidoes, de música alta, ou de festas. Isso era muito ruim porque sua família se reunia bastante. Mas como ela era muito educada sempre deixava que a beijassem e abraçassem à vontade.

Com os pais separados, a Aninha ia e vinha entre duas famílias, a mãe e a avó. Não preciso nem dizer que a avó era a favorita, né? Só que ela não podia escolher pra onde ela ia, porque as mães são quem decide pelas crianças, mesmo sem consultá-las.

Então a Aninha foi crescendo, numa família que exaltava sua educação e o quanto ela era inteligente. Ela ia a igreja com a mãe em todos os cultos e a mãe não a deixava faltar nenhum, o que fazia com que Aninha parecesse ainda mais um bibelô aos olhos da família e da própria igreja.

Aninha aprendeu duas línguas. Seu corpo ficou bonito quando ficou mocinha, e todas as amigas da mãe queriam apresenta-la para seus filhos.

Tão doce, tão quietinha, tão inteligente.

Mas a falta do pai fez Aninha desejar ter atenção masculina e usar o corpo pra isso. Isso trouxe problemas e traumas que quando pensa nisso hoje ela se sente suja e se esfrega pra ver se essa sujeira sai. O fato de ele não querer contribuir com a pensão e a mãe ir atrás disso fazia ela se sentir um estorvo.

Na casa da mãe, com a irmãzinha e o padrasto, Aninha nunca se sentia em casa, parecia ser sempre uma visita, daquelas que os donos da casa querem que vá embora.

O padrasto não fazia um bom papel de pai, mas aparentemente só de ele não abusar dela estava fazendo muito. Ele nunca bateu nela, mas sempre gritava e brigava com a mãe dela quando alguém da família de Aninha aparecia pra buscá-la. Por causa disso, hoje em dia se qualquer um falar alto perto de Aninha ela fica nervosa.

De tanto ser forçada a deixar que a tocassem, hoje em dia ela não suporta os abraços da própria mãe. Um toque no cabelo na hora errada pode fazer ela ter uma crise. Mas Aninha se acostumou tanto a reprimir todos os sentimentos, pra ser aquela mocinha doce, educada, que os rapazes da padaria gostavam de olhar (quando ela tinha só quatorze anos e eles já eram maiores de idade), que reprimir uma crise não é problema pra ela. Se um dia você ver uma menina bonitinha, de um metro e sessenta e três encarando um ponto fixo, é porque ela está a beira das lagrimas, quase se jogando no chão e se arranhando até saírem pedaços da própria pele. Ela também arranca o próprio cabelo hoje em dia, talvez de tanto ouvir a mãe dela dizer que estava horrível, ou fedido. A opinião da mãe conta muito pra Aninha, mesmo que ninguém entenda porque.

É claro que muitas outras coisas aconteceram pra Aninha sair de leitora Mirim e chegar em bulimica que abusa de remédios psiquiátricos, mas eu quero deixar uma reflexão e não uma biografia.

Quando você tiver a sua Aninha, com menos de cinco aninhos, não diga que ela é obrigada a receber toques indesejados e que criança não tem que querer. Isso naturaliza o abuso infantil.

Não deixe que a sua Aninha fique no meio das brigas com seu marido, isso não é problema de criança.

Dê liberdade religiosa, se você obriga alguém a ir a igreja, ela não vai conhecer o caminho que deve andar pra não se desviar dele, e sim tomar raiva daquele Deus tirano que determina o que ela deve fazer com o tempo dela.

Se o pai da Aninha não quer saber dela, não precisa mentir. Não ensine que ela é obrigada a amar alguém que não demonstra amor de volta. Isso lá na frente se torna um padrão de relacionamento.

Eu sou a Aninha. Às vezes eu odeio os meus pais por tudo isso que eu me tornei graças ao que eles fizeram comigo quando eu era criança. Eu não apanhava, mas essa não é a única forma de violência que existe.

Minha Aninha precisa de cura, entende? Pra que eu me torne um adulto que consegue comer e tomar remédios sem que se torne uma compulsão. Pra que a minha pele deixe de ser algo sujo que me prende dentro de mim e não me deixa sair.

Mas e você? Qual o problema com a sua Aninha?

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