A automutilação

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ESTE CAPÍTULO É UM DESABAFO. NÃO É UM INCENTIVO PARA AUTOMUTILAÇÃO. SE VOCÊ SE MACHUCA DE QUALQUER FORMA, SAIBA QUE OS ESPECIALISTAS E PSICÓLOGOS CHAMAM ISSO DE "COMPORTAMENTO SUICIDA". PROCURE AJUDA. EU MESMA PROCUREI.

Quero partir de dois pontos: a automutilação na natureza, e o instinto humano de sobrivência.

Alguns animais fazem autotomia. Isto é, "perdem" uma parte do corpo pra se livrar de predadores.

Se uma salamandra é capturada, por exemplo, ela desprende uma parte da sua cauda pra evitar ser devorada.

Isso acontece também com alguns répteis, polvos, e caranguejos.

A criança por volta dos nove anos de idade está em sua segunda fase de descoberta de si mesma como algo independente da mãe. Nessa fase, ela aprende, naturalmente, a agressividade. Isso é normal, e saudável, ela está aprendendo a impor limites e mostrar que seu espaço pertence a si. Hoje vi um caso sobre essa fase, no qual uma especialista explicou que a criança em questão estava roendo as unhas e os próprios dedos porque não tinha espaço pra extravasar a sua agressividade de forma saudável, porque a mãe a reprimia.

Aqui vemos uma ligação com o segundo tema: instinto de sobrivência.

O instinto humano de sobrevivência é tão forte, que quando uma pessoa tenta contra a própria vida, ela ainda tenta escapar da morte, se debatendo na água, ou tentando desatar o nó de seu pescoço.

A tentativa de suicídio é o ápice da dor humana. E ainda assim, seus hormônios, o seu cérebro, seu metabolismo, tudo vai trabalhar, inconscientemente para que você não morra.

Se machucar é sempre aceitável quando é pra preservar a sua VIDA. Quando alguém fica preso embaixo de uma pedra nos filmes baseados em casos reais, por exemplo, eles amputam os próprios membros. No caso dos animais, não ser devorado, no caso da criança não virar seu cuidador contra ela, porque sem isso ela sabe que não consegue viver.

Então... a automutilação seria um mecanismo de escape, pra quem está se machucando não chegar ao suicídio?

Eu não sei a resposta, e provavelmente você também não.

Eu juro, não era esse caminho que o texto deveria tomar, mas quando começo a escrever as palavras não me abedecem, são minhas filhas adolescentes e se rebelam contra qualquer coisa que eu ordene que elas façam.

Ontem eu me machuquei.

Minha jornada com a automutilação começou aos quatorze anos, foi até os vinte, fez uma pausa, acabou em duas tentativas de suicídio. Envolveu cortes, arrancar cabelo, bater a cabeça, tomar medicamentos pra dor, e jejum forçado. Ainda tenho sequelas dessa época, e não recomendo.

Eu fui reprimida a vida inteira. Minha agressividade não foi acolhida na infância, e assim como a criança do caso que relatei,voltei minha agressividade pra mim mesma por não poder externalizá-la.

Não estou dizendo que é tudo culpa da minha mãe, e que ela é um monstro. Eu poderia? Sim. Mas não estou.

Brincadeira.

Só pra aliviar o clima tenso!

Hoje, depois de muita terapia, e medição correta e errada, eu entendo que ela fez o que podia com as ferramentas que tinha, e tudo que errou foi buscando acertar o máximo possível.

Mas a questão é essa. Eu fui reprimida. E hoje eu me machuco.

E o pior, é que não consigo ver isso como errado. Quando a dor emocional é forte demais, cientificamente falando (até onde eu entendi) se machucar traz alívio. Quando seu corpo está ferido, além dos receptores de dor "acenderem" pra mostrar que algo está errado, é liberada endorfina, pra você suportar a dor.

Em um cérebro deprimido, como o meu, que tem seu funcionamento reduzido (literalmente uma depressão das funções) a endorfina falta, e eu sinto MUITA diferença. Não tenho certeza, mas sei que das duas uma: ou ela falta, ou é reabsorvida, por isso que isso que muitos anti depressivos são inibidores da receptação.

Eu estou pressionada por todos os lados.

Quando eu não comia, era ruim. Agora eu como demais.

Quando eu não interagia, era preocupante. Agora eu falo demais.

Quando estava magra, estava horrorosa. Agora estou gorda e não posso ter cem gramas a mais (meu pior pesadelo, tenho transtornos alimentares por viver em uma sociedade, e também uma família gordofóbicas).

Quando eu não trabalhava era preguiçosa. Agora que trabalho o dia todo, todos os dias, com Internet, isso não conta.

Quando eu não ajudava em casa era preguiçosa (na verdade era só muito deprimida). Agora que pago Internet, e me esforço pra fazer jantares saudáveis todas as noites isso é "não fazer nada". Ouvi meu padrasto dizer isso hoje de manhã, quando ele e minha mãe me acordaram depois de uma noite de insônia gritando uma discussão.

Nunca fizeram questão de discutir com respeito, ou evitar brigar na frente das crianças.

E foi aprendendo que isso era amor que eu caí num relacionamento abusivo, no qual o mínimo que ele fez foi levar outra mulher pra minha cama. Mas isso é assunto pra outro texto.

Se o único alívio que eu tenho de tudo isso, é infligir dor física a mim mesma, como pode ser errado?

Se eu falar palavrão ou deixar escapar minha insatisfação, eu sou agredida, ou recebo gritos em resposta (o que pra mim é pior que a violência doméstica sofrida por parte da minha irmã, mãe, e também padrasto). Se é assim que funciona, como a minha única possibilidade de ter uma dose de morfina emocional pode ser julgada como errada?

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⏰ Última atualização: Mar 23, 2023 ⏰

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