A falta de um sorriso e o som de uma risada

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Em sua sala na base da Ordem, já tarde da noite, Kaiser encarava o monitor em sua frente em silêncio, mas sem estar de fato utilizando o aparelho. Apenas olhava para a tela preta sem se mover, como fazia nos últimos quase quarenta minutos. Por ser de madrugada, Samuel e Letícia já tinham ido para casa, deixando para trás um Kaiser cansado e um cômodo quase silencioso, onde os únicos barulhos ouvidos eram os dos eletrônicos ao redor vez ou outra. Estava aliviado por finalmente estar longe de qualquer olhar dirigido a si, mas não podia negar que sentia-se solitário.

Olhou para a parede, antes repleta de fotos, mas agora vazia. Todos os sorrisos de cada foto que tirou tinham desaparecido e mesmo agora, meses após a missão, eles não voltaram. Até tentou consertá-las digitalmente, e realmente, conseguia, mas ao desviar o olhar elas já voltavam ao estado anterior. Criou cópias, pediu a ajuda de Agatha, até comprou uma câmera nova, mas nada adiantou. Os sorrisos se foram e o que restou eram apenas uma parede vazia e uma tentativa desesperada de encontrar um refúgio novamente.

Aqueles sorrisos eram a razão de sua calmaria em seus momentos mais sombrios, quando o ar fazia falta e lágrimas caíam de seus olhos, resultados das perdas, do fogo, dos gritos; dos "eu te amo" não retribuídos, do frio, dos arrependimentos. Quando todo o caos se tornava um e nada além dele parecia existir, e Kaiser estaria sozinho, como sempre esteve.

— Kaiser? — a voz de Arthur atrás de si o tira de seus devaneios. Girou a cadeira para ficar de frente a ele, vendo apenas duas formas embaçadas. Estava chorando.

Sorriu minimamente, para então esconder o rosto com as mãos ao mesmo tempo em que um soluço inevitável pelo choro saiu, seguido de outro e mais outro. Diferente das outras vezes, seu corpo não tremia, o ar não fazia falta, não suava frio. Não eram lágrimas de um homem assustado, mas as de alguém quebrado. Alguém com um nome inventado ridículo que perdeu coisas demais para sequer saber preencher o vazio que elas deixaram, e ele tentou. As fotos eram um conforto, mas não substituíam a falta que as pessoas presentes nelas criava, eram apenas momentos que, daquela forma, ficariam registrados para a eternidade, mas de que adiantava? Não ouviria a voz sempre alta de seu pai de novo, não sentiria os braços de sua mãe ao seu redor em um abraço quente como antes, não chutaria portas com Thiago. Eram apenas memórias eternizadas, mas nada além disso. Sentimentos bons e nostálgicos que traziam consigo juntamente a dor da perda e a sensação de falha, porque sabia que tinha falhado. Sabia que, desde o começo, deveria ser ele, não os outros.

Quantas pessoas perderia ainda? Quantos se cansariam?

Quanto tempo lhe restava até ficar completamente sozinho novamente?

Arthur não precisava perguntar para saber o que se passava na mente do homem em sua frente e com um olhar rápido para Joui ao seu lado, não perdeu tempo para segurar delicadamente uma das mãos de Kaiser e a tirar de seu rosto, Joui fazendo o mesmo com a outra, e então o trouxeram para cima, puxando-o para perto de seus corpos e abraçando forte.

Kaiser sorriu por entre as lágrimas, por mais que por estar com o rosto enterrado no peito de Joui não permitisse que nenhum dos dois visse a cena. Agarrou com força a camisa de ambos os homens que o abraçavam, pedindo silenciosamente para que não fossem embora, que nunca o deixassem. Eles eram tudo o que tinha.

— Eu amo vocês — sussurrou com a voz embargada, porém alto o suficiente para ser ouvido, as lágrimas ainda caindo, molhando seu rosto e a camisa de Joui, que parecia não se importar com isso.

Joui olhou para Arthur ao seu lado sem dizer uma palavra, que também olhava em seus olhos, os olhares fixos um no outro.

— A gente também ama você — Arthur respondeu, sem tirar os olhos do japonês.

— Você sabe disso, não sabe? — Joui perguntou, ainda devolvendo o olhar do amigo ao lado.

Kaiser não respondeu, apenas continuou focando no calor confortável que aquele abraço emitia, sentindo, aos poucos, o ritmo elevado de seu coração desacelerando e as lágrimas lentamente parando de cair. Não sabia há quanto tempo estava daquele jeito, não importava. Era tudo o que precisava naquele momento.

Finalmente, após respirar fundo uma última vez, afastou-se devagar do aperto, olhando para os amigos. Joui o observava com uma expressão gentil, Arthur sorria. Sorriu de volta, limpando o rosto com a manga do casaco.

Que burrice de sua parte achar que ficaria sozinho um dia.

— Oi, bonitão — Arthur cumprimentou sem tirar o sorriso do rosto, fazendo-o rir fraco pelo apelido. — A gente já acabou o que tinha pra fazer, então viemos te levar pra casa. A Ivete disse que precisa ficar aqui hoje. O Joui vai passar a semana com a gente.

Olhou para o japonês, que assentiu.

— Na verdade, não só a semana — Arthur o olhou confuso. Joui sorriu. — Eu quero passar mais tempo com vocês. Andei conversando com a senhorita Liz e ela e eu concordamos que ela é plenamente capaz de se virar sozinha. — Riu baixinho. — Então, quando não tiverem missões, eu vou ficar com vocês. Se vocês quiserem, é claro.

— É claro que a gente quer! Né, Kaiser? — Olhou esperançoso para o amigo, o tom de voz alegre pela notícia.

Kaiser continuou sorrindo e simplesmente assentiu, feliz por saber que agora, quando estivesse longe de criaturas estranhas e tiros, estaria ao lado das duas pessoas que mais amava.

— Vem, vamo pra casa — Arthur disse, voltando a segurar uma de suas mãos e começando a caminhar para fora da sala, levando Kaiser consigo.

Olhou para Joui conforme era arrastado, puxando uma das mãos dele para segurá-la também, o levando junto.

Após saírem do corredor, a porta do escritório do Sr. Veríssimo se abre, o mesmo saindo da sala com alguns papéis em suas mãos. Ia para a sala de Kaiser, mas ao vê-lo saindo com Joui e Arthur apenas sorriu, continuando parado onde estava. Não era incomum encontrar o trio dessa forma, caminhando de mãos dadas em silêncio para algum lugar, um ao lado do outro. Sabia que o laço entre os três era forte por tudo o que já passaram juntos, até ousava dizer que era a amizade mais bonita que já vira, e por mais que nunca tivesse dito em voz alta, sentia orgulho disso. Era bom saber que apesar das perdas e dos males que já enfrentaram, ainda tinham seus momentos de felicidade.

Saber que aquela união prevaleceria apesar de tudo era o que mais admirava naquele trio em especial. Combater o paranormal era importante, para isso que todos estavam ali, mas o amor, de todas as formas e tamanhos, era o que os unia verdadeiramente. Por isso, simplesmente seguiu em direção às mesas espalhadas na grande ala, indo se encontrar com outra pessoa que por acaso estivesse ali àquela hora.

O amor era mais importante.

Um refúgio em seus braçosOnde histórias criam vida. Descubra agora